

De: Guy Ritchie.
Com: Jason Statham, Ray Liotta, Vincent Pastore, Andre Benjamin.
115 minutos.
Segundo Gustav Jung, célebre psiquiatra suíço, o ego é “um dado complexo”, um resultado da combinação entre nossa percepção de nós mesmos e as memórias que acumulamos durante nossa vida. Que me perdoem os profissionais dessa área, mas minha interpretação de tal definição é que, se em algum tempo distante fizemos algo muito importante ou fomos elogiados e celebrados, nossa consciência sempre viverá nessa época, como se estivesse parada no tempo. E um pensamento grande em um momento não tão majestoso pode ser mortalmente perigoso. Desde que surgiu com seus diálogos afiados e ressucitou a inteligência cinematográfica britânica, Guy Ritchie passou por alguns momentos bem distintos de sua carreira. Primeiro, veio a repentina ascenção de cineasta independente ("Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes") para queridinho de Hollywood, também conhecido como o Tarantino britânico ("Snatch – Porcos e Diamantes"). Depois, uma certa estrela pop e pretensa atriz tratou de colocar humildade no então marido com o fracasso retumbante "Destino Insólito", que lhe rendeu, entre outros “elogios”, o Framboesa de Ouro de Pior Diretor. Esnobado pela mesma indústria que o celebrou por breves anos como o “maior talento da nova geração”, Ritchie exilou-se de volta ao seu país natal e maquinou durante longos três anos sua vingança particular contra Hollywood e os egos destruidores que a habitam. O resultado de tanta elaboração é "Revólver", um dos filmes mais inteligentes e subestimados dos últimos anos e um estudo brilhante sobre quem são os verdadeiros inimigos do homem. O fato de o filme ter sido mal-votado pelos críticos e pouco visto pelo público evidencia apenas que nenhuma das duas classes consegue aceitar que um filme não precisa ser compreendido totalmente para ser apreciado. Uma das coisas mais intrigantes e apaixonantes da vida real são os mistérios não resolvidos. É para isso que vivemos, afinal, para ir além das descobertas e o tempo todo abrir novos caminhos. Porque não deveria ser assim também no cinema?
Talvez a dieta de filmes explicados com minuciosidade e didatismo dos grandes estúdios de Hollywood tenha sido prejuducial para os espectadores, afinal de contas. Ou talvez subverter esssa percepção tenha sido exatamente a intenção de Guy Ritchie. Não que ele deixe isso ridiculamente claro em seu roteiro, é claro. Como mestre em redigir histórias, Ritchie encontra na jornada de seu protagonista e nas sutilezas de seu destino uma forma de explorar, mas nunca entender, as sutilezas da mente humana e as ilusões que ela pode criar. O tempo todo, o roteiro deixa quase implícito o que é verdade e o que alucinação. A premissa parece tão simples no início, mas se intrinca com tanta rapidez e detalhismo que é impossível não se ver ansioso pelo desfecho. E, quando chegamos a ele, é quase como se pedíssemos por um pouco mais. E o mais curioso é que em toda essa quebra de clichês hollywoodianos, Ritchie impute uma motivação comum a seu protagonista. Acima de tudo, o Jake de Jason Statham é um homem a procura de vingança. Preso por sete anos em uma solitária, o homem sai da prisão e não precisa de mais de dois anos para reunir todo o dinheiro que precisa para sua revanche. O alvo dela é Macha (Ray Liotta), um violento dono de cassino e teoricamente responsável pela prisão de Jake. As coisas começam a complicar quando ele descobre estar sofrendo de uma grave doença, que pode matá-lo em três dias. Quem se aproveita disso são os trapaceiros Zach (Vincent Pastore) e Avi (Andre Benjamin), que prometem ajudá-lo com a vingança e despistar os capangas de Macha sob a condição de Jake lhes ceder todo o seu dinheiro. A partir daí, as ramificações são complexas demais para serem explicadas em meras palavras.
É impressionante a habilidade de Ritchie em não se perder por tantas subtramas e camadas. Cada pequeno acontecimento tem suas implicações e detalhes expostos com tanto realismo que as referências (brilhantes, diga-se de passagem) de Tarantino ficam obsoletas perto da habilidade de Ritchie. Enquanto o primeiro encontra dificuldades em se adaptar ao novo século, o segundo parece só ter melhorado com a passagem dos anos. E isso inclui a própria câmera do diretor, que não recorre a grande sousadias, mas deixa a trama se desenvolver com competência, uma espécie de estilo próprio e discreto, que combina perfeitamente com o clima sóbrio e fascinante do filme. São poucas, mas marcantes, às vezes que Ritchie se deixa levar pelo estilo caótico que ele mesmo criou uma década atrás. Mais do que nunca em sua filmografia, Ritchie confia plenamente em seus atores para dar uma tradução realista, e ao mesmo tempo etérea, a seus personagens. Jason Statham faz um trabalho louvável com o protagonista, nunca se revelando demais em frente a câmera e transmitindo uma espécie de emoção contida e desavisada. Cada vez mais ousado em suas escolhas, Statham aos poucos deixa para trás a imagem de astro de ação descerebrado, tendo o cuidado de voltar ao gênero eventualmente para garantir a visibilidade. Encarnando mais um hipotético vilão, Ray Liotta entrega o desempenho brutal e eficiente de sempre, visceral como nunca, o ator traduz a perfeição as nuances do personagem, seja nas cenas mais prática ou no final, sobre o qual obviamente não me alongarei. Basta dizer que a expressão de Liotta ao encarar o protagonista pela última vez não deixa dúvidas sobre o talento que o Oscar custa a reconhecer. Surpresa mesmo é o desempenho de Andre Benjamin, misterioso e impassível na pele do semi-místico Avi, dono da devastadora fala final do filme. Frase não, aliás, palavra é um termo mais apropriado. Uma palavra. É o que Guy Ritchie precisa para ganhar o jogo e mostrar a Hollywood o tamanho da genialidade que ela jogou fora. Xeque-mate.
Nota: 9,0

17 comentários:
Uau, é a primeira crítica totalmente positiva que eu vi para Revolver. Finalmente saiu no Brasil, depois de 4 anos do seu lançamento. Eu gosto do Guy Ritchie, só acho que quando ele pega o gênero gânsgsteres, todos os filmes dele parecem um igual ao outro.
Opa! Parabéns pelo blog.
Oi :D
Li toda sua sinopse e gostei bastante da sua crítica.
Nunca vi o filme, mas buscarei tentar vê-lo.
Fico feliz que o diretor tenha dado a volta por cima depois do filme que não deu certo.
Posso adicionar seu blog aos links do meu?
Abraços,
Daniel.
http://www.esovento.blogspot.com/
pow cara, bacana a dica...
vi um pedaço de rockin'n'rola q também é do guy riche e achei até legal...
ele tá aproveitando...o nome ganhou mais peso depois do divórcio com a madonna...
--
www.moolegal.wordpress.com
a dica aqui é benjamin button
excelente crítica, como ja comentei, é um ótimo blog e ja esta nos meus favoritos.
abraço
DNC http://dncdonotcross.blogspot.com
Me interessei pelo filme.
Pretendo assisti-lo.
Eui nunca vi!Parece muito bom!
DESCULPA A DEMORA CARA!
MINHA NET TA LENTO!
+ TEU BLOG É OTIMO
TEM UM CONTEUDO MTO BOM
Não o vejo como filme, o que acontece é que Guy teve instrução do que eu chamo de "segredo". Basicamente a vida é uma ilusão, quando algumas pessoas se deparam com filmes como este, se tem a sensação de que a vida é uma evolução.
Sem palavras! eu vi este filme 4 vezes! eu penso que sou louco por ter admirado o filme onde muita gente achou um lixo, Parebens pelo blog! suas palavras foram bem colocadas!
Muita gente achou um lixo???
Quem tem olhos de ver, veja! Quem tem ouvidos de ouvir ouça!
Não entendeis ainda???????
As pessoas acharam o filme um lixo?
Quem tem olhos de ver, veja!
Quem tem ouvidos de ouvir, ouça!
Não entendeis ainda????
Primeiramente meus parabéns pelo blog, concordo veementemente com você e seu ponto de vista, bem como me entristeço ao ver seu fracasso de público e crítica.
Bom eu tambem tenho um blog e postei recentemente um mini-monólogo em off do filme q é super interessante:
http://webmanolosblog.blogspot.com/
meu camarada, gostei muito do seu texto. o unico problema é o layout do blog, fundo escuro com letra branca é a pior coisa pro leitor.
ainda mais se a pagina de comentarios é totalmente branca. é como levar facadas na retina.rsrs
Eu estou simplesmente extasiada com os diálogos travados no filme!!! Terminei totalmente emocionada com o que ouvi! Por trás de tanto barulho e violência(que geralmente me afastariam do filme) uma mensagem de lucidez. Magnífico!!! Qdo terminei de assistir, soube porque me atraiu tanto.
Abraços,
Sônia Siquer.
tive que procurar uma crítica deste filme genial! GENIAL!
Essa é a melhor e mais inteligente crítica que já li a respeito desse filme. Me apaixonei por ele desde a primeira vez que me foi mostrado. É incrível o talento de Ritchie de colocar o telespectador para refletir. Muito bom! Parabéns!
Vi os principais filmes do diretor, com exceção dos dois Sherlock Holmes. Posso dizer que Revolver é o melhor dele. É ligeiramente diferente a Snatch e JTeDCF pois, apesar de ter muitos personagens, prefere se ocupar mais com o Statham.
A princípio, incomodou-me o excessivo uso das frases de efeito/lições de vida. E eu já dava pra matar, uns quinze minutos antes, a identidade do Andre 3000 e o coadjuvante de The Sopranos.
Fora isso, mto bom. Como é compensador acompanhar um filme anos depois de sua estreia, longe do frisson e oba-oba (ou rejeição maciça, no caso desse), obtendo uma impressão mais livre.
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