Amor Além da Vida (What Dreams May Come, EUA/NZ, 1998).
De: Vincent Ward.
Com: Robin Williams, Cuba Gooding Jr, Annabella Sciorra.
113 minutos
O que há depois da vida? Céu e inferno são conceitos considerados lúdicos e até pouco saudáveis por boa parte dos estudiosos e entendidos do assunto, mas a prova de que não são descartáveis é que eles sobrevivem até hoje como dogmas e crenças que gostamos de preservar. Não é muito incomum topar, principalmente na literatura, com a idéia de que todo fim é na verdade um novo começo. A idéia de infinito e de eternidade é tão antiga que é possível relacioná-la com o próprio surgimento da humanidade. Uma vida não é bastante para o que queremos fazer e nossas limitações da condição humana são por demais apertadas para que sequer possamos confundir sonho com realidade. No final das contas, o conceito de um lugar bom e um ruim onde colhemos o que plantamos em vida faz sentido. Vivemos sonhando com o que não podemos. Morremos para poder tudo o que sonharmos. Veio-lhe um sorriso no rosto? Talvez por causa dessa pequena utopia, extremamente agradável se pensarmos bem, que Amor Além da Vida funcione as mil maravilhas apesar de possuir tantos pequenos erros que poderiam fazer toda a diferença. A verdade é que é impossível não se apaixonar pela jornada de um homem que seria capaz de renunciar ao paraíso que mereceu em vida para passar a eternidade ao lado da mulher que amou. Ela está no inferno. É uma suicida, uma eterna culpada e uma condenada ao pior dos destinos, mas ele não suportaria passar um tempo tão excruciante longe dela. São almas gêmeas, um conceito tão antigo que simplesmente não soa mais como um clichê. É uma coisa natural, quase realista, quase crível no contexto. Amor Além da Vida é capaz de fazer brotar as lágrimas até no espectador mais frio, mas só alcança esse feito porque joga com definições que ao mesmo tempo em que extasiam os olhos e ouvidos, soam como uma temática tão enraizada que é impossível não se envolver. Numa análise fria, Amor Além da Vida não é de forma nenhuma um filme perfeito. Tropeça na ambição em alguns momentos e aos poucos vai se tornando um tanto quanto corriqueiro para quem busca uma experiência renovadora. Aproveita mal alguns personagens e usa-se demais de situações que podem cair fácil na definição de pieguice que os críticos tanto gostam de usar. Ainda assim, é um filme que vale a pena depois de seus 113 minutos de projeção. Às vezes, é só isso que importa.
Na época badalado por tramas românticas como O Casamento de Meu Melhor Amigo e A Nova Paixão de Stella, o californiano Ronald Bass de certa forma encontrou o gosto das críticas ao dar corpo a trama de Amor Além da Vida. Não que todo esse alarde tenha sido realmente justo, é claro. O que ele faz aqui é tecer uma jornada linear que, por si só, pouco diz sobre as perguntas levantadas no início deste texto. Ainda que careça de temas maiores e a significância que o tema prometia, sobra carga emocional e competência humana para Bass. Provando que existem personagens fascinantes sem precisarem ser complexos, ele constrói seres humanos simples que se encaixam excepcionalmente bem ao contexto e quase se tornam parte indispensável do cenário. Também é preciso dar-lhe crédito imaginativo por ter subvertido cada pequeno detalhe da nossa percepção sobre paraíso e inferno e ainda criar uma visão que agrada e cria expectativa a cada minuto. O que virá depois? Que outras cores, emoções e cenários? É sempre bom quando um filme deixa-nos com essas perguntas e as responde a altura. A jornada de Chris Nielsen (Robin Williams) começa com um choque de realidade e um estudo profundo da perda, sentimento que predomina durante toda a projeção de Amor Além da Vida. Ele e a mulher Annie Collins (Annabella Sciorra) perdem os filhos, entram em crise e lutam para se recuperar. Uma maratona de emoções depois, Nielsen sucumbe a um inesperado acidente de trânsito. Pronto. Começa uma quase voyeurística viagem por cores, texturas e visuais simplesmente fantásticos que como que por um milagre parecem se ajustar a cada detalhe da trama. Seja no paraíso pessoal de Nielsen, todo colorido como um quadro expressionista retratando uma paisagem de tirar o fôlego ou na teatral montagem da escadaria idealizada por outrem, cada minuto é de puro deslumbre visual. É quando Annie se suicida que começa a real busca pelo real objetivo da jornada. Chris não se importa com o que estaria perdendo do mundo que criara para si próprio, apenas quer estar perto de Annie novamente. Ultrapassa fronteira, viaja destemido e é assaltado por revelações bombásticas.
O espectador passa por cada uma dessas emoções ao lado do elenco, como se uma experiência assustadoramente real de repente tivesse sido transportada para a fantasia. Se essa sensação funciona a cada minuto, porém, a responsabilidade é em grande parte do neozelandês Vincent Ward (Navigator), hipnotizante a cada corte em seu primeiro e último grande filme americano. Em certos momentos, é a câmera dele e seu detalhismo que produzem, quase sozinhas, momentos verdadeiramente mágicos. Seu trabalho com as cores é louvável, imprimindo-as a cada frame de película e tornando a jornada da trama muito menos cansativa do que poderia ser. Como que contaminados pela sinceridade habitual do grande Robin Williams (O Som do Coração), o elenco todo desempenha seus papéis com propriedade e honestidade. O protagonista é defendido com gosto por ele, entregando a identificação irrevogável que se aprendeu a esperar do ator em uma interpretação que rompe barreiras de qualidade para marcar na memória em cada uma de suas nuances. Cuba Gooding (Jerry Maguire), quem diria, prova que pode soar místico na pele do guia do protagonista nas dependências além da vida. Annabella Sciorra (Família Soprano) é emoção em estado bruto e bem representado, enquanto Max Von Sidow (Pelle, o Conquistador) representa a mais pura categoria do mundo do cinema, a experiência valiosa para interpretar um papel que envolve, acima de tudo, classe. Com tanta gente talentosa envolvida e uma trama tão pessoal para cada um de nós, é impossível não se apaixonar por Amor Além da Vida... Afinal, até os erros ficam para trás no paraíso.
Nota: 8,0
3 comentários:
O filme é bem bacana mesmo. Até quem não acredita em nada disso sente as emoções que o filme consegue passar com sucesso, bem bacana mesmo.
escreve muito bem,parabens,mas vc escreve sempre sobre esse tipo de filme?espero q não...
http://www.tainanthealchemist.blogspot.com/
O filme é muito bonito, sim, porém, eu gostaria de saber se as cores sõ inspiradas em algum artista: Van Ghog, REnoir, etc...
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