quinta-feira, 26 de março de 2009

Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada – Sensibilidades de um filme surpreendente

dan in real life Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada (Dan in Real Life, EUA, 2007)

De: Peter Hedges.

Com: Steve Carell, Juliette Binoche, Dane Cook.

98 minutos.

 

 

 

 

A vida real não é simples. Passa longe de ser fácil. E certamente não é uma utopia de felicidade eterna. Mas se existe um fato que ninguém discute sobre ela é que é não menos que maravilhosa. A cada minuto um gesto e a cada palavra um sentimento, uma riqueza de detalhes e uma plenitude de emoções que nenhum artista nesse mundo conseguiu ou conseguirá simular. É simplesmente complexo demais para apenas um ser humano representar. Como traduzir em palavras a sucessão de obstáculos que somos obrigados a ultrapassar dia após dia, que podem parecer privações naquele momento mas acabam por se tornar o mais puro orgulho mais tarde. Passamos por tudo isso para relembrar, tornar esses momentos eternos? A ambição do homem de terminar com fugacidade de cada minuto dessa experiência até hoje só conseguiu nos prender em mais e mais limitações, até que nos vemos com medo de viver algo porque podemos esquecer. Simplesmente não faz sentido. Afinal, a grande verdade é que a surpresa e a honestidade de emoções é o que há de mais recompensador desse mundo. Quando planos dão certo, o mundo sai melhor do entrou. Quando somos surpreendidos, somos nós mesmos que crescemos e aprendemos com cada sensação que desfrutamos, num fugaz momento, como se aquilo fosse eterno. Eventualmente, será. “Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada” é um filme que guarda tantas surpresas para quem se arriscar que é impossível não se apaixonar por cada palavra proferida por personagens tão reais, espetacularmente ordinários e uma trama que diz tudo que é preciso dizer sem precisar de grandes temas, redenção ou, a bem da verdade, qualquer um dos clichês ainda eficientes que enchem a terra do cinema. Para começar, é quase impossível rotular um filme como esse. A estrutura é de uma comédia romântica, mas há lances de drama tão competentes que é impossível deixar esse aspecto de lado  ao mesmo tempo que provoca risadas de qualidade simplesmente superior a boa parte da produção americana atual. “Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada” é inteligente, emocionante, intrigante e encantador, mas a despeito de todas essas qualidades, verdadeiramente triunfa simplesmente por ser o filme de ficção mais verdadeiro desde muito tempo.

Roteirista notável desde sua estréia em “Gilbert Grape – Aprendiz de Sonhador”, o americano Peter Hedges é muito provavelmente o homem com maior sensibilidade para escrever diálogos que soem como pessoas reais e criar situações e pequenas brincadeiras contextuais que fujam do “complexo do extraordinário” da maioria dos escritores de cinema e caiam no lugar comum sem precisarem ser vulgares por isso. Para simplificar um pouco, o que Hedges faz é escrever tramas críveis para pessoas de verdade sem perder a localização e o senso de entretenimento. Dirigindo pela segunda vez aqui, ele demonstra habilidade para manipular a câmera de forma leve e pouco intrusiva, o que favorece a trama que passa por drama, comédia e romance sem perder o pique. O resultado são filmes que emocionam e ressoam com honestidade, que provocam uma experiência cinematográfica completa e ainda são capazes de divertir com situações que poderiam acontecer a qualquer momento de nossas vidas. “Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada” é assim, honesto, envolvente, comovente e divertido. Uma mistura que não apenas resulta em uma receita de cinema deliciosa como também representa melhor que muitos dramas os sabores e dissabores que experimentamos a cada dia. O roteiro não se prende a um sentimento, passando por cada um com ritmo simples e cadenciado que é capaz de levar o espectador em uma jornada que, se passa por alguns obstáculos, vale a pena no final. Dan Burns (Steve Carell) é um escritor e colunista de jornal que tenta voltar as boas com as três filhas depois da morte da esposa. Como ocorre todos os anos, os quatro partem em uma viagem para uma pacata fazenda no interior do país onda a numerosa família irá se encontrar. É em uma livraria que Dan conhece a encantadora Marie (Juliette Binoche) numa excepcional seqüência onde ele a ajuda a escolher um livro, pretendendo ser o atendente do lugar. Depois de uma longa conversa, Dan volta para casa apenas para descobrir, no jantar da família, que Marie é a nova namorada do irmão Mitch (Dane Cook), da qual todos estavam falando. Um conflito a primeira vista simplista mas que abre espaço para algumas cenas no mínimo geniais, pequenos detalhes fascinantes um debate de emoções impossível de se descrever em palavras.

Talvez seja essa a maior qualidade e o ponto de definição para “Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada”. Trata-se, assim como a vida real, de uma experiência impossível de ser colocada em palavras ou expressada de qualquer forma. É preciso ver, viver, sentir. É cinema puro, que provoca e envolve, uma pequena obra-prima que sem dúvida nenhuma merecia mais atenção do que recebeu. Especialmente se levarmos em conta as atuações dos dois protagonistas. A começar por Steve Carell, indiscutivelmente o homem mais competente em representar seres humanos de verdade do cinema atual. Se ele conseguiu fazer do atrapalhado Maxwell Smart alguém por quem se torcer em “Agente 86”, Dan Burns não é menos que um prato cheio servido a um grande ator. Assistir ao resultado disso é um prazer enorme. Carell tem a capacidade rara de transformar cada nuance de seu personagem em um detalhe indissociável de sua própria personalidade. Ele, o astro, some por trás da pele do personagem ao mesmo tempo em que cria uma conexão inestimável entre o protagonista e o público. Quando precisa demonstrar emoção mais intensa, ele o faz se valendo de cada detalhe e quando é jogado em uma situação cômica, assisti-lo atuar é como ver um predador em seu ambiente. A única diferença é que Carell provoca sorrisos, e dos mais sinceros que se podem esperar na hipocrisia de Hollywood. Se ele se dá bem, Juliette Binoche (“Invasão de Domicílio”) não deixa por menos e compõe uma Marie radiante, elegante, carismática e irresistível. Sua presença na tela é como um ímã que puxa o espectador para cada vez mais dentro da trama, funcionando quase como um regulador de emoções e o ponto de equilíbrio em uma história cheia de pequenas loucuras. Não que Marie seja alguém exatamente normal é claro, e isso sem dúvida faz parte de seu encanto, traduzido tão bem pela atriz. O elo fraco da corrente fica por conta de Dane Cook (“Maldita Sorte”) e seu retrato caricato de um personagem que poderia ter ganhado uma caracterização mais forte. Ainda bem, um erro menor frente as surpresas e pequenas delícias que se escondem por trás da sensibilidade e da realidade maravilhosa que “Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada” retrata com competência ímpar. Afinal, é sempre bom lembrar o quanto o mundo de verdade pode ser bom. Quem sabe assim a vida valha a pena? Veja e viva cada emoção.

Nota: 8,5

5 comentários:

Renan Barreto disse...

cara, eu não vi esse filme porque achei que fosse bobo de mais. rs Sério. Mas já que você fez uma resenha tão bonita como essa, é obrigação moral minha ver esse filme e depois contar a minha visão a você. Caio, tu é excelente no que faz. Aos 20 anos tu será o melhor critico de cinema. Voce tem que estudar jornalismo, hein! É obrigação! Eu me proponho a ajudar sempre que precisar.

Você tem muito talento para ficar escondido por ai.

Valeu!

Tolerância Zero disse...

porra..muito bom mesmo..... vou ver o filme..... só faltou link para download! rsrs abraços e parabens

Renan Barreto disse...

Caio, eu não faço elogio vazio. Realmente penso dessa forma. Na faculdade você vai aprender a ser robô, e escrever notícia primeiro, resenha só quando for renomado. É, filho... rsrs Eu não tenho paciência pra isso não. rs

Você escreve melhor que eu, que tô terminando a faculdade. rs Acho que perdi muito da criatividade que tinha com a sua idade. (nossa to parecendo um velho falando rs). Bem, eu tenho que viver de acordo com o mercado, mas aos poucos tentarei pegar emprestado de você essa forma bacana de escrever.

São dois blogs que gosto muito: O seu e o Grooland. São os meus preferidos. E não sou melhor do que ninguém, menino... Eu não sei fazer nada direito. rsrss

Bem, Valeu pela força e pelo carinho. Sabe que pode contar pro que precisar! Informação sobre jornalismo e esse tipo de coisa.

Valeu!!!!!!!!!!!!

Inez disse...

Excelente seu ost sobre o filme. Eu tinha uma ideia completamente diferente a respeito, com seu texto deu pra ver que o filme é lindo, poético.
Parabéns!

Carol Natale disse...

poxa tu não tem o link não? eu já passei por esse filme várias vezes e nunca tive curiosidade mas do jeito que vc colocou vou conferir.


http://messnatural.blogspot.com/