A Guerra de Hart (Hart’s War, EUA, 2002)
De: Greogory Hoblit.
Com: Bruce Willis, Colin Farrell, Marcel Iures, Terrence Howard.
1944. A Segunda Guerra Mundial, desde o início um perigoso jogo de estratégia e números, estava sendo vencida pelo sangue e suor de soldados que de tudo fizeram por sua pátria e por tudo aquilo que ela representava. Ou talvez eles estivessem apenas tentanto sobreviver em meio a toda a confusão entre pessoas e princípios que eles nem mesmo conheciam verdadeiramente a fundo. A cada dia a luta entre a Alemanha nazista, já com dezenas de territórios anexados, e as forças Aliadas lideradas pelo exército americano se tornava mais brutal e se desencadeava em uma série interminável de ataques e contra-ataques para decidir quem tinha o potencial de destruição maior, quem provocava mais barbaridades. E, é claro, qual seria a cultura preconceituosa que dominaria o mundo pelo próximo século. Corte brusco para 2002. A produção cinematográfica americana baseada nos horrores do holocausto passava por um momento de definição. Depois de obras-primas produzidas no final dos anos 1990, com “O Resgate do Soldado Ryan” e “Além da Linha Vermelha”, o público começava a dar sinais de cansaço para o gênero. Mesmo com diretores do calibre de Jean-Jacques Annaud (“Círculo do Fogo”) e John Woo (“Códigos de Guerra”) lançando suas próprias visões ambiciosas do fatídico período, a linha descendente da bilheteria era incontestável. Dos quase 500 milhões de “Ryan” para os menos de 100 da investida do diretor chinês no subgênero, a queda era clara e a cada novo lançamento a gota d’água parecia mais e mais próxima. “A Guerra de Hart” foi o filme certo na hora errada. E acabou servindo perfeitamente na posição de bode expiatório para o recado final da platéia para o estúdio, que viu seu filme não pagar nem mesmo o próprio orçamento. Injustiça monstruosa para um filme contundente? Talvez não, mas é interessante observar como as coisas acontecem em Hollywood. Tudo é timing na indústria do cinema, e é do oportunismo que as grandes obras tomam formas. Com o falhou nesses dois quesitos, “A Guerra de Hart” foi considerado o mais descartável de uma série de filmes que se encaixariam perfeitamente nessa definição. Se tivesse sido lançado alguns anos antes, no auge da comoção cinematográfica em torno da Segunda Guerra, talvez tivesse se tornado um grande sucesso. Um pouco mais além, talvez o nosso presente fosse uma oportunidade melhor para um filme como esse, uma época em que preconceito racial em todos os níveis da sociedade virou tema popular nas produções cinematográficas. Isso sem contar que quase tudo em “A Guerra de Hart” parece precipitado.
A começar pela parceira no roteiro, reunindo dois nomes que poderiam causar furor entre os críticos atualmente, mas não passavam de roteiristas pouco notáveis, com poucos trabalhos verdadeiramente louváveis em 2002. Billy Ray e Terry George fazem um bom trabalho, mas o estilo dos dois não entra em sintonia em nenhum momento. É quase como se víssemos dois filmes. O primeiro, um suspense cheio de intrigas e personagens ambíguos, obra sem dúvida de Ray, que ficou conhecido no mundo do cinema apenas meia década depois, com o superestimado “Quebra de Confiança”. O outro, uma discussão pretensamente densa sobre os méritos da guerra, que vai além da simples dissertação sobre o preconceito para adentrar em um terreno mais complexo, marca incontestável do homem que nos presenteou com um épico humano de protesto e emoção, “Hotel Ruanda”. Juntos, eles desconstroem a novela-base de John Katzenbach (“Justa Causa”) em uma obra que não deixa nunca perder a vista a própria dualidade, funciona em alguns momentos e se mostra falha em outros, mas acima de tudo passa longe de merecer o destino que lhe foi fatalmente incutido. Acompanhamos aqui o ponto de vista do Tenente Thomas Hart (Colin Farrell), um estudante de direito filho de um senador que se alista no exército, mas é obrigado a desempenhar funções burocráticas graças a proteção do pai. Insatisfeito com a própria estagnação enquanto os soldados enfrentam o inimigo na linha de frente, ele conhece o horror da guerra ao ser capturado por um grupo de alemães e levado para um dos campos de concentração para prisioneiros de guerra, onde enfrenta uma situação no mínimo peculiar. Sob o comando falsamente compreensivo do Coronel Werner Visser (Marcel Iures), é permitido a realização de uma corte de justiça para investigar a morte de um dos prisioneiros americanos, uma possível retaliação pelo assassinato a sangue frio de um dos primeiros oficiais negros mantido sob cárcere no lugar. É claro, as suspeitas recaem no ex-companheiro do morto, Lincoln Scott (Terrence Howard), e é partir daí que as duas vertentes do filme se dividem claramente entre a racionalidade e a denúncia. Coincidência ou não, a primeira alcança mais eficiência que a segunda, construindo cenas de tribunal e simples diálogos que chegam a um nível de tensão impressionante. “A Guerra de Hart” funciona melhor como entretenimento descompromissado e um tanto irrealista do que como um filme-denúncia que expõe a deplorável situação de preconceito dentro do próprio exército americano. Não que o filme não levante questões importantes, é claro. Faz pensar se realmente o lado vitorioso foi aquele que menos levantava preconceito sem precisar glorificar o nazismo para isso. Toma uma posição de imparcialidade impecável, chega até mesmo a impressionar o quanto a imagem estereotipada de lados bem definidos na Segunda Guerra é desmistificada. Mas nunca consegue manter a regularidade, carecendo de um pouco mais de densidade para atingir em cheio o raciocínio do espectador e, quem sabe, mudar realmente alguns dos conceitos mais arraigados em nossas mentes. Em suma, fica no meio do caminho em busca de inovação.
E, é claro, tem uma série de outros equívocos técnicos. A começar pelo diretor Gregory Hoblit (“Um Crime de Mestre”), fora de seu terreno de seuspense, no qual nem mesmo é tão bom assim, e escorregando a cada take pelo andamento acelerado em demasia ou a tentativa forçada de criar uma estética marcante para um filme que deveria impressionar pelo conteúdo. Se até hoje Hoblit é um daqueles diretores que ainda não encontraram seu ritmo certo, seis ou sete anos atrás essa definição seria um mero eufemismo para as deficiências do texano. A despeito do comandante, o elenco se sai bem com seus personagens definidos em sombras e insinuações. Colin Farrell protagoniza, e vê-lo atuar é como observar uma pedra preciosa brilhar por trás de um vidro embaçado. Um pouco antes da maturidade (que veio completamente em “Na Mira do Chefe”), o ator é totalmente dependente do roteiro para dar a sua interpretação de Hart algum sentido. O resultado é um desempenho que, assim como o script, varia entre o notável e o entendiante. Terrence Howard (“Homem de Ferro”) é outro que ainda não havia encontrado sua forma peculiar de incorporar personagens na época, entregando uma atuação que dá pistas fortes de um grande futuro, mas nunca decola completamente. É nesse ponto que os veteranos Bruce Willis e Marcel Iures se destacam, representando os dois elemenos realmente bem escolhidos de um filme cheio dos prematuros. O último, um dos atores romenos mais destacados da atualidade, conhecido pela participação na trilogia “Piratas do Caribe”, surge envelhecido e sereno para emprestar fascinação as palavras do roteiro. Já Willis, conhecido pelos anti-heróis cativantes, se despe do carisma para se encher de ambigüidade e se tornar o personagem mais marcante e o único verdadeiramente comovente em uma galeria de outrso nem tão memoráveis. Tanto é assim que ele é o pivô do clímax do filme e o olho do furacão, um coadjuvante que rouba a cena do protagonista para trazer o filme para si e dar a história um elemento de referência. Em um mundo sem hipocrisia, “A Guerra de Hart” receberia mais atenção apenas por essa interpretação, essencial para entender uma carreira e esquecida por muita gente. É uma pena que tais circunstâncias sejam tão impossíveis.
Nota: 6,5
Um comentário:
Não gosto muito desse estilo de filme! Acho eles muito cansativos e repetitivos!
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