quarta-feira, 11 de março de 2009

RocknRolla: A Grande Roubada – Guy Ritchie está de volta, e com cara de franquia

RocknRolla: A Grande Roubada (RocknRolla, Inglaterra, 2008)

De: Guy Ritchie

Com: Gerard Butler, Tom Wilkinson, Mark Strong, Toby Kebbell

114 minutos.

 

 

 

 

  Sexo, drogas e rock n’roll. Receita bem-sucedida (pelo menos comercialmente) de tantos filmes que é impossível citar todos em um único texto sem se arriscar a soar como alguém no mínimo obsessivo. Para dar um exemplo relativamente recente e elogiado pelos críticos, talvez seja melhor resumir a ladainha toda em “Quase Famosos”. Primeiro filme do diretor Cameron Crowe após o sucesso definitivo de “Jerry Maguire”, o musical rocker conquistou público e crítica, pagando o próprio custo (com uma margem apertada, é verdade) e figurando anos depois nas listas de filmes mais importantes do começo do nosso século. A história de uma banda underground que ascendia a fama com rapidez vertiginosa e descia de volta ao poço na mesma levada contava com as tiradas pop de sempre do diretor para conquistar o espectador e levá-lo em uma viagem recompensadora por ritmos, sensações e imagens. Em resumo, utilizava a música como pretexto para cinema de primeira. Deu certo naquela oportunidade e em algumas outras (“The Commitments”, “Fama”), e desde então se estabeleceu um padrão para os filmes que por ventura quisessem tratar do mesmo assunto. Não é difícil imaginar o que se passava nas cabeças dos produtores “espertos” espalhados pela terra do cinema: um subgênero bem-sucedido a mais para explorar, sem riscos. Como de costume, Hollywood não foi menos do que cega e estúpida ao prender os filmes do estilo a uma forma que foi cansando com rapidez impressionante. Afinal, quem procurou por “Quase Famosos” quando este foi lançado buscava um pouco mais do que simplesmente um filme ordinário, clamava por inovação, originalidade, entretenimento diferente do usual. Embora tenha sido uma grata surpresa para muita gente, não é preciso pensar muito para perceber porque “RocknRolla”, novo filme do britânico Guy Ritchie (“Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes”), não foi apenas a anunciada ressurreição do diretor, mas um ar completamente novo para o gênero que põe em prática a tríade sagrada que figura na primeira frase deste texto. E isso sem precisar apelar para a cantoria maçante em nenhum momento. A verdade é que, sob muitos aspectos, “RocknRolla” é diametralmente oposto a “Quase Famosos”. Ritchie não utiliza um contexto musical para fazer cinema, mas o ritmo de uma trilha-sonora excepcionalmente bem selecionada para dar levada, alma e inovação a um filme que poderia cair em outro estigma caso não possuísse esse diferencial. Embora sempre proporcione momentos interessantes, o gênero de gângsteres, criminosos e afins já anda esgotado há algum tempo. Com a música e os toques de humor do roteiro do próprio Ritchie, esse esgotamento é preenchido com folga e dá mais levada a trama bem intrincada que consegue passar por todos os 114 minutos de “RocknRolla” sem deixar o interesse cair um minuto sequer. O que o diretor fez foi combinar inteligentemente elementos de dois gêneros mal-vistos, adicionar uma dose cavalar de diversão e piadas que vão do sarcástico ao grosseito, tudo para criar um filme que não cai em nenhum dos estigmas que poderia e ainda deixa uma continuação engatada. A esperteza e o talento para orquestrar tramas, pelo menos, Ritchie não perdeu com o passar dos anos.

Como sempre autor do próprio roteiro, ele faz um trabalho notável ao dar brilho e sofisticação a cada frase proferida por seus personagens, arrancando alguns momentos de puro brilhantismo cômico e ainda fazendo subir aquele arrepio inconfundível pela espinha do espectador. Em certo ponto de seu filme, quando o mafioso Lenny Cole (Tom Wilkinson) toma uma lição de brutalidade de seu “concorrente”, é impossível não se emocionar, contra todas as expectativas, ao ouvir a perfeitamente sincronizada reflexão do roqueiro Johnny Quid (Toby Kebbell). Não é fácil para um roteirista fazer duas cenas paralelas possuírem uma ligação tão lógica e forte, mas Ritchie o faz com maestria. O protagonista aqui é One Two (Gerard Butler), um ladrão barato que tem aceitado alguns trabalhos oferecidos pela insinuante contadora Stella (Thandie Newton), que age em nome do russo Uri Omovich (Karel Roden), que por sua vez é o concorrente mais sério de Cole, um mafioso a moda antiga, com seus segredos e manias, incluindo a existência de Johnny, um roqueiro irresponsável que ele tomou por filho adotivo assim que sua esposa, mãe do garoto, morreu. O problema é que ele, para desespero dos empresários e furor da imprensa, sumiu do mapa pela quarta vez em um ano, levando consigo uma preciocidade que pode colocar o padrasto em apuros: o “quadro da sorte” emprestado justamente de Uri, com quem ele tentava firmar um acordo pelo domínio da cidade. A primeira vista, pode soar como uma história banal, mas é aí que reside a habilidade de Ritchie ao redigir o roteiro. Embora não seja uma trama de grandiosidade, “RocknRolla” encanta pela proporção intimamente fundamental em que se desenrola a história, estudando as conseqüências de um ato impensado ao mesmo tempo que não se esquece de proporcionar diversão das boas recheada com o melhor do estiloso modo de filmar do diretor. Embora predominantemente use câmeras estáticas e cortes em certa medida previsíveis, a câmera de Ritchie de alguma forma consegue agradar aos olhos sem distrair os ouvidos de cada palavras que sai da boca dos personagens. É como a combinação perfeita entre visual e conteúdo: o roteiro é o astro principal, mas isso não impede que as luzes da cidade e os bizarros comportamentos de gente igualmente pouco usual não promovam duas horas da boa e velha diversão.

Talvez por isso Gerard Butler pareça tão adequado, adjetivo que nunca exatamente se encaixou nas interpretações caricatas do escocês revelado em “O Fantasma da Ópera” e elevado ao patamar de astro pelo Rei Leônidas de “300”. Aqui, ele é deixado a vontade para exercitar a canastrice e o carisma que essa forma de atuar traz atrelada pode surpreender muita gente que nunca se indentificou muito com as interpretações do ator. Como One Two, Butler encontra o personagem perfeito para seu (relativo) talento, agindo mais como peça atuante do que como centro de todos os acontecimentos. Esse posto é ocupado com competência por Toby Kebell, o “RocknRolla” do título, um termo que só pode ser descrito nas palavras de Ritchie (brilhantes demais para serem descritas nesse humilde texto). O que importa é que o ator, conhecido pelo trabalho como coadjuvante em filmes como “Alexandre” e “Controle”, traduz a perfeição a genialidade contida entre as paredes das drogas que Johnny Quid representa. Ele é um touro indomável, um rebelde convicto, um homem que de muitas formas foi conduzido para onde está, mas acima de tudo um ser humano complexo, cativante e um dos anti-herói mais perfeitos que já figuraram no cinema. Ele brilha mesmo ao lado de uma interpretação tão marcante quanto a de Tom Wilkinson (“Conduta de Risco”), colocando a caricatura para funcionar (no melhor dos sentidos) e contruindo uma figura única para o mafioso, confirmando-se como um dos melhores atores em atividade. Mas quem realmente impressiona é Mark Strong (“Stardust – O Mistério da Estrela”), fundando os alicerces de um personagem que ainda pode render muito mais conforme a familiaridade do público aumentar. Archie, o “capanga” do mafioso, é sem sombra de dúvida a maios fonte de brilho de um filme que não carece dele. Guy Ritchie está de volta dos mortos, e pronto para abalar as estruturas da terra do cinema mais uma vez com o vindouro “Sherlock Holmes”. Mais um filme com a marca do frescor de um cineasta que nunca se torna ultrapassado. E que tem muito o que ensinar a Hollywood.

Nota: 8,5

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