
Appaloosa – A Cidade Sem Lei (Appaloosa, EUA, 2008)
De: Ed Harris
Com: Ed Harris, Viggo Mortensen, Renée Zellweger, Jeremy Irons
115 minutos
Sou o primeiro a admitir minhas limitações quando o assunto é faroeste. Não, eu não sou aquela espécie de pretenso crítico que sai por aí assistindo todos os filmes antigos e clássicos apenas para contar vantagem e dizer “cinema de verdade é isso”. Mesmo porque, cinema não possui apenas uma definição. A cada olhar um filme adquire certa maneira de soar e cada raciocínio, pode ter toda a certeza, ocorre diferente na mente de cada espectador. Cinema é acima de tudo imprevisível e não se desfaz dessa qualidade sob nenhuma hipótese. Cinema de qualidade não tem um tempo certo para existir ou uma fórmula rígida para acontecer, trata-se de uma série complexa de conjunções que vão desde aquelas que o estúdio e os profissionais podem controlar até aquelas das quais o destino (ou, se você preferir, o acaso) se encarrega. A falta de um significado maior para “Appaloosa” não é fácil de se explicar. Trata-se daquela espécie de sensação que funciona perfeitamente apenas quando vivenciada, e não suporta palavras para descrevê-la. Na teoria, o faroeste tradicional orquestrado por Ed Harris tem todos os elementos onde deveriam estar. Na prática, é um enorme e sem propósito vazio por quase duas horas que só encontra significado e ressonância quando aposta na intensidade do caráter de seus personagens. Infelizmente, trata-se de uma extravagância da qual o roteiro se furta por boa parte do tempo, deixando uma impressão de que, para justificar a jornada daqueles personagens e suas emoções a flor da pele, foi criado um envoltório de trama que soa mal justificado e polido a ponto de perder a atenção do espectador em alguns momentos. Se dos méritos como western de “Appaloosa” eu pouco posso falar, daqueles que o filme ganha como simples e puro cinema, é bom avisar que tudo o que resta no fim da projeção e uma enorme e desoladora decepção. Isso porque se esperava muito de “Appaloosa”. Segunda investida de Harris, ator prestigiado em filmes como “O Show de Truman”, na cadeira de diretor, o faroeste já chegava com o fardo de repetir o sucesso da estréia de seu comandante, o comovente “Pollock”. Além disso, prometia trazer um estudo profundo de personagens e tensão a cada minuto com interpretações e alta voltagem de um elenco não menos que fabuloso. Já que cinema tem tanto a ver com expectativa, todas essas descritas aí em cima se revertem durante os 115 minutos de projeção e transformam “Appaloosa” de um filme que podia até deixar boas marcas em um daqueles que passa por nossos olhos mas não grava em nossas mentes. Em resumo, fútil. Tudo o que a história não merecia ser.
Em “Appaloosa”, apesar dos créditos iniciais, o protagonista é Everett Rich (Viggo Mortensen), o vassalo estudado de um justiceiro famosíssimo no Velho Oeste americano, uma caixa de emoções fortes reprimidas pela noção de coragem e frieza que predominava na época. O lendário Virgil Cole (Ed Harris) é o oposto radical de seu companheiro, um violento e distante pistoleiro que não hesita em matar para cumprir sua missão e nunca encontrou o amor no caminho de sua vida. Os dois chegam a desesperada cidade-título logo após o trágico assassinato do xerife pelas mãos e um fazendeiro inescrupuloso e insolente, o poderoso Randall Bragg (Jeremy Irons). “Appaloosa” começa violento, impressionante e carregado de atmosfera ao mostrar o tal ato hediondo, mas logo em seguida diminui a marcha e aos poucos vai perdendo o charme ao crer piamente na força das situações banais para caracterizar melhor seus personagens. Coincidência ou não, o roteiro só encontra real força quando se rende aos contrastes entre os dois protagonistas e constrói as situações mais claras que os críticos gostam de chamar de “caricaturais” ou “exageradas”. A bem da verdade, para um filme que retrata uma época de extremos dominada pela crueldade e pela estupidez, faz todo o sentido criar situações que deixem claro que aquele mundo que vemos na tela passa longe de ser a nossa hipocrisia civilizada. De qualquer forma, o fato é que o filme erra ao imprimir um andamento arrastado e padronizado demais a partir do momento em que a dupla de justiceiros é contratada pelo grupo de intelectuais da cidade para parar, se utilizando de qualquer método, Bragg e seus homens. O que poderia ser um jogo de gato e rato absurdamente verbal e empolgante na tensão se torna em uma espécie de pastiche romântico manipulador com a inesperada chegada da viúva Allison French (Renée Zellweger) na cidade e o ainda mais improvável romance que ela engata com Cole, nomeado xerife da cidade. A partir daí, o script do estreante Robert Knott ao lado do próprio Harris, enfileira uma série de erros de rumo de trama e adapta a trama da novela escrita por Robert Parker com pouquíssima inspiração. Como para todo revez a uma virtude, o roteiro não é menos que brilhante nos diálogos insinuantes que chegam a salvar algumas seqüências levadas com incoerência e dão uma idéia da sensação que o filme poderia passar se fosse conduzido da maneira certa no primeiro encontro de Cole e Bragg, carregado com ameaças escondidas e interpretado com perfeição.
Não que o elenco se inspire apenas naquele momento. Cumprindo sua parte na equação, os atores fazem um trabalho louvável ao dar vida a personagens vibrantes e cativantes que enchem a tela até nos momentos menos encantadores e mais arrastados. É mesmo uma pena que tais composições fiquem perdidas em meio a uma trama que parece não avançar como deveria. Em mais um estudo profundo de personagens depois de duas parcerias como Cronenberg (“Senhores do Crime”), um excepcional Viggo Mortensen (“O Senhor dos Anéis”) injeta serenidade e uma boa dose de conflito ao Everett Rich que parece não sair de seu estado contemplativo em nenhum momento. Nas mãos de outro ator, seria no mínimo estranho observar tal comportamento, mas é impressionante como Mortensen se ajusta a situação e convence a cada minuto que jamais pensou em fazer outra coisa na vida. Literalmente, perto do final, é o personagem que aparece em cena e não um astro interpretando-o. Mortensen pode ser o maior triunfo de atuação da obra, mas Ed Harris também faz um trabalho notável na pele de um personagem bem diferente do que está acostumado a fazer. Aqui, ele encara um homem de boa índole fazendo justiça, e não um lobo em pele de cordeiro como é de seu costume. E se sai surpreendentemente bem ao dar vida a Virgil, em uma interpretação que combina segurança, intimismo e pura construção artesanal de personagem em uma mistura que funciona as mil maravilhas. De fato, seria muito mais habitual ver Harris interpretando o papel que acabou com Jeremy Irons (“Cruzada”), mas provavelmente bem menos espetacular. O que Irons faz aqui é montar um retrato para lá de contundente da radicalização de um tipo sem limites e escrúpulos para se considerar acima da lei, algo que se faz presente na sociedade até hoje e, talvez por isso, o personagem mais ressonante. Renée Zellweger (“Bridget Jones”) tem pouco o que fazer em meio aos cavalheiros, mas entrega com a competência de sempre o retrato de uma mulher capaz de tudo para conseguir o que quer e permanecer no topo de cabeça erguida, não importa por que meios, sob quais circunstâncias. Os destinos são juntados com eficiência pelo roteiro no final e Harris faz um trabalho aceitável no comando das câmeras, preferindo contemplar do que se aproximar de seus personagens e condizendo com a natureza serena do próprio script. Ou seja, tudo está, de uma forma de outra, no lugar certo. O que não impede que a sensação de vazio fique no final dos 115 minutos nem que a emoção que deveria brotar com sua tragédia fique apenas na imaginação. “Appaloosa” termina com uma caminhada em direção ao Sol poente, uma imagem bonita e poética, mas que vem sem um objetivo e, por isso mesmo, sem impacto. Vazio como o deserto do Velho Oeste americano.
Nota: 6,0
4 comentários:
Bom Blogue !
Passa no meu!
;)
"comente o blog acima!" saca?!
, jah assisti, mtoOoO massa *_*
http://drehosbourne.blogspot.com
acho que eu daria mais do que um 6 para este filme...
por ser um tema que gosto, além de contar com grandes atores..
mas só assistindo mesmo pra conferir!
abraços!
Mais um filme que eu tenho que ver, pelo menos pra entender o porquê de sua nota. Se bem que você explicou muito bem no texto, mas não custa conferir. rs
Eu, por exemplo, vi um filme horroroso chamado Inferno (tailandês). Imaginei que o filme fosse fuim, mas não sabia o quanto. rs O capetão era um samurai mongolóide. Nada contra os mongolóides e nem os samurais, mas aquele filme me deu naúseas de tão ruim que era.
VAleu, Caio!!!
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