sexta-feira, 22 de maio de 2009

A Troca – O gosto amargo de um final incompleto

A Troca (Changeling, EUA, 2008).

De: Clint Eastwood.

Com: Angelina Jolie, Jeffrey Donovan, John Malkovich, Jason Butler Harner, Gattlin Griffith.

141 minutos.

O que te faria não desistir? Por que causa sua luta seria obstinada o bastante para atravessar a barreira do tempo e da própria organização da sociedade? A primeira vista, se trata de uma pergunta fácil de se responder, mas em tempos nos quais o supérfluo se tornou indispensável e vice-versa, nunca é demais relembrar o que temos de mais precioso de verdade. A verdadeira Christine Collins viveu em outros tempos, quando uma mulher comandando um departamento em seu ramo de trabalho era quase uma heresia e quando a polícia era bem mais soberana do que é hoje. Violência era a moeda de troca e corrupção era a renda diária. Havia quem lutasse contra a situação, sim, mas faltava coragem das vítimas desse regime inaceitável para reverter o jogo. Afinal, competição nenhuma é ganha com um pouco de falatório. Christine foi a jogadora que colocou as palavras de gente como o Reverendo Briegleb em ação e lutou obstinada para recuperar a base e o ponto de equilíbrio de sua vida movimentada. Christine perdeu o filho. O que você precisaria perder para fazer tudo o que ela fez e ainda sair vitorioso? A questão acaba de se tornar mais complexa, eu acho. Tão complexa que soa impossível de se resolver em meras duas horas e, ainda mais além, impossível de se transportar de forma fidedigna a uma encenação que, no final das contas, é essencialmente falsa. A Troca paga o preço pela ingratidão de sua missão, mas ao menos se sai tecnicamente impecável no caminho. É um drama respeitoso, feito por um diretor equilibrado que sabe dosar o ritmo hipnotizante de algumas cenas com um pouco mais de dinamismo quando a questão é mais prática do que emocional. O resultado é um bom filme, um bom produto cinematográfico e certamente uma peça de cinema autoral pronta para ser apreciada. Mas, previsivelmente, encontra fraqueza nas questões complexas da qual trata. A Troca não é um filme de respostas claras e muito menos de realismo exagerado. É uma fábula cruel e cheia de ambigüidade sobre uma mulher lutando contra o resto do mundo. Um filme que faz pensar e, apesar de toda a carga emocional, deixa um gosto amargo na boca no final de seus 141 minutos. Uma sensação de experiência incompleta que deixa exposta a constatação triste de que nem o melhor dos artistas é capaz de reproduzir a vida real. Ao menos não por inteiro.

Cinema é uma questão sensorial demais pra ser descrita perfeitamente, que dirá as emoções e sensações que uma obra é capaz de transmitir. De fato, pode ser que nada do que está escrito no parágrafo acima se aplique a uma análise fria e metódica dos fatores da equação bem arranjada de A Troca. Mas é inegável que, de algum ponto em diante, aquela história vai parar de fazer sentido. É um beco sem saída no qual o desafortunado J. Michael Straczynski se meteu em seu primeiro trabalho dramático para o cinema. Conhecido como criador da série de TV Babylon 5 e como renomado roteirista de quadrinhos, Straczynski faz um trabalho indiscutivelmente louvável ao transportar detalhes e nuances fundamentais da realidade para a ficção, mas se vê preso a condição de um simples escrivão, criando alguns diálogos memoráveis para personagens que não são seus e descrevendo com requinte cenas que aconteceram na realidade e tem carga emocional por si mesmas, sem a necessidade de um criador para lhes dar rumo. Para um escritor cuja maior qualidade é a criatividade, trata-se de uma missão ingrata e, vendo por esse ângulo, ele até se sai bem no que propõe, ainda que a falta de liberdade transpareça em cada palavra de seus diálogos e em cada expressão de seus personagens. A trama aqui é daquele tipo que começa comum para, de uma hora para outra, seguir por um caminho labiríntico e impossível de se prever. A história começa com Christine (Angelina Jolie) saindo para trabalhar em uma bela manhã de sábado. Ela é uma mulher moderna para sua época, dona da própria vida e mãe solteira para seu filho Walter (Gattlin Griffith). Tal característica de modernidade poderia ser melhor aproveitada pelo roteiro, mas acaba sendo tratado como um elemento a mais em uma história que, afinal, tem coisa demais a contar para explorar-se completamente no espaço limitado que é o cinematográfico. O que importa é que ela se torna o olho do furacão quando volta para casa e não encontra Walter. Meses e muita comoção pública depois, a polícia de Los Angeles diz ter encontrado o garoto e arranja um grande evento de imprensa para limpar a imagem do departamento com a opinião pública. O menino, no entanto, não é o filho de Christine, e embora ela reconheça o fato logo de cara, a polícia vai usar de todos os meios para não precisar se retratar. Começa assim uma luta que passa pelos corredores de um manicômio, pelas cadeiras de uma sala de julgamentos e encontra seu trágico e incerto final em uma pequena fazenda em algum lugar distante do território americano.

No comando de toda essa história cheia de impacto substancial, o nome de Clint Eastwood (Menina de Ouro) sai ileso de erros durante toda a projeção. Veja bem, não sou um daqueles críticos que aprecia qualquer coisa que o diretor produz, mas sei reconhecer quando um trabalho de direção combina classe e genialidade em uma só tomada. E em cada uma delas. Eastwood é dono de uma câmera estagnada, sim, mas uma câmera que sabe como observar e como explorar cada visual. Aliás, ao lado do diretor de fotografia Tom Stern (Coisas que Perdemos Pelo Caminho), ele cria toda uma identidade visual para A Troca que funciona o tempo todo, seja observado uma casa bem arrumada no subúrbio ou se deparando com os tons de cinza e negro de uma prisão cheia de sombras e assustadora em certa medida. O trabalho de Eastwood, porém, vai além de agradar aos olhos e chega a uma edição elegante e cheia de estilo que consegue ser classicista sem ser atrasada e ainda explora com genialidade os focos de luz que permeiam todo o tom contrastante do filme. Seja confinada em certa posição ou mudando de foco a cada momento, Eastwood faz as escolhas certas e muito do impacto de alguns momentos de A Troca se devem a sua precisão. O único momento de erro se dá durante o julgamento final da obra, que passa a sensação de editado as pressas e sem muita consideração com a própria compreensão do espectador. Mas as coisas terminam por se ajeitar, especialmente quando se tem uma estrela tão surpreendente quanto Angelina Jolie. Mais bela do que nunca, ela encarna o ponto de convergência de toda a trama com uma precisão quase comovente. Visivelmente envolvida com o papel, Jolie segura praticamente sozinha a maioria das cenas e se torna uma espécie de elemento humano, emocional e individual fortíssimo para uma história que muito diz sobre problemas da sociedade, seja no final dos anos 1920 ou nos dias de hoje. Uma atuação completa e acertadíssima que sem dúvida mereceu o reconhecimento da indicação ao Oscar, uma das três concedidas ao filme. É claro, A Troca não é só Jolie. Jeffrey Donovan (Burn Notice) consegue crescer a cada cena e criar uma persona tão realista e hipócrita que chega a se tornar uma das criaturas mais odiosas que o cinema já produziu. John Malkovich (Queime Depois de Ler) tem pouco a fazer em um papel estático e quase sem profundidade emocional, mas se sai com uma atuação digna de um ator de seu porte. Quem surpreende mesmo é Jason Butler Harner (O Vidente), que encarna o psicopata Gordon Northcott e deixa o espectador na dúvida até o último momento sobre sua inocência. Uma interpretação difícil que Harner domina de forma impressionante e que chega a percepção do espectador como algo quase tão real quanto grotesco e revoltante. Essa dúvida e essa ambigüidade, aliás, dominam A Troca durante boa parte de seus 141 minutos. Um filme fácil de se envolver e, talvez por isso mesmo, um tanto decepcionante em seu final. Mas vale a pena conferir, nem que seja apenas para descobrir o que já sabemos... todos precisamos de esperança.

Nota: 8,0

 

5 comentários:

Renan Barreto disse...

A Jolie fez esse filme um pouco antes de Wanted, né? Acho que sim, não estou lembrado. No Wanted ela quase não falava e nesse pelo visto a mulher tem que falar muito e ainda carregar na emoção. Concordo quando vc diz que é impossivel transportar a vida real para a tela, mas o cinema e o teatro e hoje (os games), são narrativas que tentam passar para o seu interlocutor estático algumas sensações... sejam lá quais forem. Acho imprescindível entender isso antes de ver um filme, ir a uma peça ou jogar um jogo. Estamos a procura de experiências novas e no nosso caso não acho que supérfulas. Só acredito que a sociedade do consumo tornou tudo muito supérfulo, inclusive nossos conceitos sobre emoções. Tudo virou parte do capitalismo. Tudo é parte de uma engrenagem que gira e nunca vai parar... O filme parece interessante, e deve ser tratado como mais uma experiência e não algo fidedigno à vida real, porém o mais verossimilhante possível. E o filme faz isso muito bem como você falou...

Valeu, Caio!!! Ótima resenha, como sempre né... rsr

Brazileiro disse...

Deve ser mais um daqueles filmes que tem um enredo mto bom, mas o final não parece final, falta algo.
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Parabens pelo excelente blog cara!

Tolerância Zero disse...

cara eu vi esse filme..muito foda mesmo..vale a pena ver..... a sinopse descreve perfeitamente..

Lua- Eu Crio Moda disse...

JOLIE EM ROUPAS ANTIGAS?NUNCA IMAGINEI

Jacques disse...

Angelina Jolie, depois que foi premiada por Garota Interrompida desandou. Na mnha opinião fez muitas bobagens. Atualmente parece que está voltando com força. É uma atriz, que, sobretudo, precisa de um diretor de atores para ajudá-la. A prova disso foi sua atuação em Changelling. Abcs.