Anjos & Demônios (Angels & Demons, EUA, 2009).
De: Ron Howard.
Com: Tom Hanks, Ewan McGregor, Ayelet Zurer, Armin Mueller-Stahl, Stellan Skarsgard.
138 minutos
Cinema não é feito para passar informação, apesar de não raro ter uma mensagem atrelada as suas imagens. Por mais que um filme pretenda retratar uma situação que facilmente poderia figurar na realidade ou de fato o tenha, por mais que seja a vontade de realizar uma obra realista, não são informações jogadas ao vento e ao acaso que serão o fato decisivo para envolver uma platéia, o espectador. Isso porque cinema não é, nem nunca será, realidade, por mais que as imagens em movimento possam repercutir com força nela. Informação pura e simples, nua e crua, sem nenhum contexto emocional ou uma competente ambientação de entretenimento, não passa de minutos desperdiçados para descobrir coisas que serão esquecidas minutos depois. Talvez esse tenha sido o maior erro de O Código da Vinci, adaptação cinematográfica produzida em 2006 para o mega-best-seller do americano Dan Brown. A história do simbologista Robert Langdon descobrindo um segredo milenar ao lado de uma agente do governo francês e um milionário britânico funcionava perfeitamente como leitura rápida, densa e fascinante no papel. Mas isso porque havia espaço o bastante para a quantidade mesmerizante de informações na prosa do autor e para o desenvolvimento de personagens que chegavam as últimas palavras como velhos conhecidos. Na adaptação, porém, a informação foi prezada muito acima do contexto emocional dos protagonistas, criando uma jornada orgânica que pouco conseguia instigar ou entreter com sua narrativa arrastada e congestionada de curiosidades facilmente esquecíveis. Nem mesmo o talento de um ator do nível de Tom Hanks (Náufrago) foi capaz de transformar Langdon em um homem de verdade em meio a tanta confusão e a uma jornada tão mística. De fato, muitos dos coadjuvantes terminaram mais familiares do que a dupla de protagonistas, completada por uma perdida Audrey Tatou (O Fabuloso Destino de Amélie Poulin). Pois bem, cá estamos, três anos, mais de 700 milhões de dólares em bilheteria ao redor do mundo e muita expectativa depois, para atestar mais uma vez que erros servem para alguma coisa, no final das contas. Anjos & Demônios ainda não de forma alguma um filme perfeito, mas é impossível negar que talentos renasceram das cinzas para dar uma forma muito mais acertada a essa segunda investida de Langdon nas telas. Afinal, se ainda continuamos a caminhar é porque um dia já tropeçamos. Todos nós erramos, faz parte do que nos faz cada vez melhores. Seja você cínico ou inocente, não custa nada dar uma nova chance a Ron Howard, Hanks e companhia. Mesmo que a Igreja diga o contrário.
Polêmicas, permissões de filmagem e tramas heréticas a parte, a verdade é que a adição de mais um nome na elaboração do roteiro de Anjos & Demônios talvez seja a mudança mais acertada na criação progressiva de um novo rumo para a franquia estrelada pelo professor mais famoso do nosso século. Dessa vez, temos o sempre competente Akiva Goldsman (Uma Mente Brilhante), que havia escorregado no filme anterior, em pleno domínio de sua eficiente condução de trama, levando o personagem por uma jornada que consegue ser linear, convencional, impactante e surpreendente a um único tempo. Um trabalho infinitamente superior ao predecessor, mas talvez boa parte do crédito deva ir para o versátil David Koepp (O Quarto do Pânico), que injeta suspense, energia e um andamento mais corrido a um roteiro que não se esquece de parar para contemplar aos poucos os dilemas de seu protagonista. Aqui, Langdon ganha em humanidade ao ser confrontado por um conflito interior extremo enquanto se envolve, como sempre, em uma das maiores conspirações da história da humanidade. De certa forma, trata-se de um processo inverso ao que ocorreu em Da Vinci. Em Anjos & Demônios, o foco é tão concentrado no professor de Harvard que de certa forma os coadjuvantes se tornam figuras borradas que circulam em torno de Langdon, um caçador de furacões que não tem culpa de estar presente em momentos tão cruciais. Dessa vez, os ventos fortes nos quais Langdon se perde miram seu olho para o pequeno mundo da cidade do Vaticano, sede-maior da administração da Igreja católica, um país dentro de uma cidade e, como bem observa um dos coadjuvantes no início, “um pesadelo de jurisdição”. O papa morreu, o Conclave dos cardeais para decidir o sucessor do falecido está prestes a começar e a polícia do Vaticano recebe uma ameaça sem precedentes. Os quatro prefiriti, os favoritos para serem eleitos Sumo Pontífice, foram seqüestrados pelos Illuminatti, lendários inimigos dos atrasos da Igreja Católica, e o seqüestrador promete matar um por um, em praça pública, até a meia-noite, quando uma bomba escondida em algum lugar nos raio de quilômetros consumiria toda a cidade. É aí que entram Robert Langdon, chamado por um capitão da polícia para desvendar as mensagens da ameaça, e Vittoria Vetra, uma bióloga marinha que se viu envolvida no assassinato de um físico do laboratório mais avançado no mundo, na Suíça. O local em questão, não por acaso, registrou o roubo de um tubo de antimatéria, o material mais delicado e explosivo conhecido pelo homem, produzido pela primeira vez em pequena escala pelo acelerador de partículas do local. O elemento final é o Camarlengo Patrick McKenna, ex-secretário pessoal do papa falecido que se vê no cargo de poder maior dentro da Igreja enquanto os cardeais não saírem de sua clausura. Resta ligar os pontos, tarefa que o roteiro escrito a quatro competentes mãos faz com desenvoltura impressionante para quem se lembra da confusão de Da Vinci.
Se o pecado maior do roteiro foi consertado com a simples adesão de mais um elemento para tornar a fórmula vitoriosa, a mesma sorte não teve o diretor Ron Howard, que saiu da nominação ao Oscar pelo verbal Frost/Nixon direto para uma superprodução cheia de impacto visual e estilo muito menos sutil que o equilíbrio de forças da entrevista do ex-presidente americano. A verdade é que Howard, apesar de todas as objeções dos críticos de plantão, é um bom diretor. Mesmo nas tomadas mais equivocadas de Da Vinci, sua câmera fazia o que podia para se confrontar com o roteiro apressado, imprimindo um pouco de elegância aos cortes e movimentos, ainda que o visual soasse equivocado a todo o momento. Aqui, a história é outra, mesmo porque a mudança de cenário é quase nula perto do tour pela Europa que a aventura anterior promovia. Filmando em um único ambiente e na maioria das vezes em “locações camufladas”, Howard manipula o ambiente com competência impressionante, seja ao coordenar a épica seqüencia da multidão na praça de São Pedro ou imprimindo um filtro sufocante na bem montada seqüencia em que Langdon fica preso sem oxigênio nos arquivos do Vaticano. Se controlando a ambientação Howard faz um trabalho exemplar, porém, é impossível negar que dessa vez sua câmera está menos inspirada e até repetitiva. Em alguns momentos chega a irritar e atrapalhar o envolvimento a forma como o diretor parece ter adquirido uma fascinação incurável por giros, deslizes e suportes. Até mesmo nos momentos íntimos, raros e ainda assim competentes por parte do roteiro, Howard dá a impressão de estar filmando a um mundo desabar. Não que de certa forma ele não esteja, é claro, mas tamanha convicção em apenas um estilo de direção é capaz de cansar e quebrar a concentração até do espectador mais compenetrado. Os movimentos são tão persistentes que até entram na frente dos atores de quando em quando. E não dá para negar que eles estejam bem melhores com um bom roteiro para guiá-los. Tom Hanks mostra mais uma vez que é capaz de construir uma atuação notável mesmo quando ofuscado por uma trama de escopo global. Seu Langdon aqui está mais forte do que no primeiro filme, mais definido e muito mais interessante. Crédito tanto para o roteiro quanto para a atuação concentrada e detalhista do astro. A israelense Ayelet Zurer (Ponto de Vista) pode não ser tão boa e significativa companhia quando Audrey Tatou em Da Vinci, mas faz o que pode com seu pouco tempo de tela. Também desse mal da pouca significância sofre Armin Mueller-Stahl (Senhores do Crime) na pele do cardeal mais velho, mas o veterano ainda consegue se destacar com uma interpretação a altura dos mestres a manipulação de massas. O mesmo pode se dizer do sueco Stellan Skarsgard (Piratas do Caribe) ao encarnar o comandante-maior da polícia vaticana, um suspeito a primeira vista que o ator tira de letra com a desenvoltura de sempre. A bem da verdade, porém, o show é todo de Ewan McGregor (A Ilha), um barril de pólvora manso prestes a estourar a cada cena, uma atuação que chega ao limite para nunca mais fazer o caminho de volta e uma construção de personagem no nível de atores veteranos e consagrados. Seu Camarlengo é a força, o combustível e a figura mais fascinante em um filme que, no final de seus 138 minutos, deixa na lembrança o quão fraca pode ser a índole humana. E, é claro, são duas horas de entretenimento de primeira. Cá entre nós, muito mais do que Da Vinci teve para nos oferecer.
Nota: 7,5
6 comentários:
ADORAIRA ASSISTIR
Adpatações são realmente perigosas. Mas quando li o livro tive a certeza que como filme funcionaria melhor. Achei mto mais denso e perturbador.
Bem que eu queria assistir, depois de degustar esta excelente crítica. Mas o cinema anda tão caro e tão distante das minhas prioridades... É uma pena, pois um dos meus ítens preferidos de lazer.
A Igreja não deve se preocupar tanto, ela deve se preocupar com a continuação da Bússula de Ouro. Se seguir o q o livro diz, aí sim vai ser uma guerra de conceitos.
É complicado, geralmente as adaptações acabam por desmotivar os verdadeiros fãs da leitura original, e o que não faltam são exemplos. Mas eu não gosto mto desse tipo de leitura ou de filme, conspiração religiosa, acho estranho, mas concordo com o que o Fabioc disse sobre a Bússola de Ouro, ali sim o bicho vai pegar. E Pra falar a verdade, até As Crônicas de Nárnia, se chegar até o seu ultimo exemplar como filme.
Você escreve bem kra, e tem mta referencia. Parabens.
Apesar de tanta gente torcendo o nariz pra adaptação cinematográfica do 'Código da Vinci', eu gostei bastante do filme. Claro que a história vai totalmente contra meus princípios religiosos - já que sou cristão - e, às vezes, ofende um pouco; mas também não sou fanático, né?
Mas vamos ver se 'Anjos e Demônios' consegue, mesmo, adaptar melhor a obra.
No mais, curti pacas o seu blog, cara! Tudo o que for pra falar de CINEMA vale a pena ler, hehehe
Valeu pela visita e comentários no meu blog de tirinhas MUTUM, cara! Sempre que quiser aparecer lá, fique à vontade :)
Abraços o/
Cara, eu vou ser bem sincero contigo, eu amo cinema, até pra ver filmes ruins, nunca tem um dia que se me convidarem eu digo não. Só que eu tô com uma preguiça danada pra ver Anjos e Dêmonios. Embora eu esteja com esperança de que dessa vez valha mesmo o meu ingresso, já que Exterminador me desapontou.
Vou dar uma olhada na agenda essa semana - ou na outra, talvez... :D
Adoro filmes com contextos religiosos ou espirituais, e gosto tb do Tom Hanks espero que essa mistura dê em um bom filme, ando meio decepcionado com o cinema, pouca coisa tem me atraido, espero poder ir ao cinema com gosto para vere sse filme e sair com mais gosto ainda e vontade de ver novamente
BLOGdoRUBINHO
www.blogdorubinho.cjb.net
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