terça-feira, 3 de março de 2009

Encontrando Forrester – A Europa em Hollywood… equívocos de um filme recompensador

forresterEncontrando Forrester (Finding Forrester, EUA, 2000)

De: Gus Van Sant

Com: Sean Connery, Rob Brown, F. Murray Abraham, Anna Paquin

136 minutos

 

 

 

 

 

O mundo em que vivemos é estranho, uma terra inóspita criada por nós mesmos cheia de hipocrisias e normas sem sentido absolutamente nenhum. Por exemplo, porque diabos o homem inventou a crítica? Será que realmente causa algum prazer impor uma barreira entre o autor e o público, julgar cada detalhe e bater o martelo inflexível para consagrar ou condenar uma obra de arte? Afinal, o cinema e qua lquer outra forma de arte é puramente e primitivamente uma forma de expressar os pensamentos de um grupo de artistas, algo para ser julgado por quem vê, não por quem é pago para isso. “Escritores escrevem para darem aos leitores algo para ler”. Poderia haver uma definição tão simples, óbvia e ao mesmo tempo tão esquecida? Afinal, quantas pessoas d eixam de ver um filme ou ler um livro porque os comentários espalhados pelos meios de comunicação são negativos? Ou, ainda o contrário, fugir de uma obra simplesmente porque as mesmas descrições parecem ser metafóricas demais? Se me permitem a metalinguagem e um pouco de falta de modéstia, é sempre bom lembrar que a crítica não deixa de ser uma forma de arte, um exercício de dissertação para expor um ponto de vista e acima de tudo instigar a apreciação. Por incrível que pareça, um filme não precisa ser uma obra-prima para merecer ser assistido, e não há melhor exemplo disso que “Encontrando Forrester”, drama cheio de pequenas lições que valem a pena serem escutadas, mas repleto de pequenos equívocos que acabam resultando em um filme que marca mais pelo que ensina do que pelo que provoca emocionalmente ao espectador. Para começar, é bom avisar que não é a toa que Gus Van Sant, diretor de filmes tão díspares quanto “Um Sonho Sem Limites” e a refilmagem de “Psicose”, é freqüentemente chamado de o diretor americano mais europeu da atualidade. “Encontrando Forrester” reflete essa faceta de seu comandante no ritmo, cheio das cadências típicas das produções do velho continente, levado de maneira oscilante, quase como um acaso planejado, um improviso delimitado cuidadosamente com algumas regras. É quase irônico que um filme como esse encontre seu defeito mais notável justamente onde as produções européias verdadeiramente se destacam: a climatização da história. Não se trata de um trabalho ruim do diretor, mas talvez constitua em um conjunto de pequenos detalhes equivocados no texto de Mike Rich, então um estreante que posteriormente escreveria “Meu Nome é Rádio” e um par de outras obras pouco notadas. Ele é não menos que brilhante em seus diálogos, construindo debates verbais intrigantes e usando a racionalidade e a rigidez de seu personagem principal para criar pérolas que certamente entrariam para as grandes frases do cinema caso o ambiente de toda essa história não fosse tão maleável, indecisa quase.

Em alguns momentos, parecemos estar em frente a um filme-denúncia que versa sobre preonceito, com direito a um amor impossível e discriminação social. Em outros, a história adquire uma dramaticidade intensa, quase como um suspense com suas sombras e as luzes ofuscantes da câmera do diretor. Nos melhores momentos, “Encontrando Forrester” é um drama com levadas irônicas e pílulas de sabedoria encantadoras, ingredientes que, se se mantessem durante todas as mais de duas horas de projeção, fariam do filme uma obra essencial. Mas a irregularidade e a vontade clara de triunfar em tantas vertentes acaba por diminuir o impacto da trama e torna-la quase banal ao lado de linhas tão geniais de diálogos e construção tão habilidosa de personagens. Sem a emoção que teoricamente deveria provocar, “Encontrando Forrester” deixa de ser um filme apaixonante para se tornar uma viagem prazerosa, mas puramente esquecível, embora não seja banal em seu conteúdo. E é realmente lamentável ter que dizer que a falta de um material emocional verdadeiramente impactante é o pior pecado que uma trama como essa poderia cometer. Isso porque “Encontrando Forrester” é, em sua essência mais fundamental, uma história sobre paixão. A de Jamal Wallace (Rob Brown) é escrever. Uma exceção em meio a falta de oportunidades no pobre cenário do Bronx da década de 90, ele é obrigado a sufocar essa obsessão para ser aceito entre os jovens de sua idade, que preferem admirá-lo pela habilidade no basquete. Quando um exame de qualificação que ele fez em segredo retorna juntamente com a boa impressão dos donos de uma conceituada escola, e sua bolsa de estudos é liberada, ele conhece um novo mundo. Povoado por todo o tipo de gente, daqueles que aceitam sua presença ali por mérito, representados pela própria filha do proprietário, Claire Spence (Anna Paquin) até outros que não possuem tanta facilidade assim em assimiliar a idéia de que um negro de classe baixa possa ser tão talentoso quanto ele demonstra em suas redações. Seu principal opositor é o professor de literatura, Robert Crawford (F. Murray Abraham), um escritor pracassado que se recusa a acreditar nos dons do garoto. Paralelo a tudo isso, assistimos ao surgimento e crescimento de uma amizade no mínimo improvável, começada de maneira bem inconvencional. William Forrester (Sean Connery) é um escritor recluso e brilhante que foi premiado com o Pulitzer em sua estréia e nunca mais deu ao mundo outra obra. A partir de uma brincadeira entre os amigos, os destinos do apaixonado pela escrita e daquele que perdeu essa paixão há muito tempo se cruzam sob circunstâncias bem criativas.

O personagem de William é tão bem construído que é impossível não se encantar, cheio de excentricidades e uma visão dura de mundo que aos poucos vai ganhando razão e ocupando um espaço cada vez maior na trama. Se ela não fosse tão indecisa, não era de se duvidar que o personagem entrasse para o hall da fama do mundo do cinema. Principalmente com a simbólica e cativante interpretação de Sean Connery, em seu último filme antes das “férias” marcadas por produções esporádicas e entregando uma atuação para coroar a carreira, cheia de detalhes ricos e emblemática como sempre. O James Bond por excelência não se despe da petulância que marcou sua persona, mas passa por cima dela para desempenhar seu papel com a compreensão de um verdadeiro mestre. O restante do elenco também entrega performances eficientes, mas nunca passa disso. Mesmo o jovem Rob Brown (“Stop-Loss”), tão comentado na época da estréia do filme, não impressiona muito ao encarar os dilemas do protagonista acompanhado de gente já oscarizada como Anna Paquin, premiada por “O Piano”, mas mais conhecida pela Vampira de “X-Men”. Experiente, F. Murray Abaham (“Amadeus”) se limita a criar o antagonista padrão, amargurado, sem limites e inflexível como é mostrado pelo roteiro. Comandanado as câmeras, Gus Van Sant faz o trabalho louvável de sempre, um pouco mais cuidadoso com os modismos que os tornaram famoso, mas genial como sempre ao capturar a alma dos personagens, ainda que o mundo que há em volta deles não chegue a envolver. Antes de seu lançamento, “Encontrando Forrester” foi dado como o retorno do diretor aos grandes filmes depois de escorregão em “Psicose”. O público ainda tinha na memória a obra anterior a este, “Gênio Indomável”, e não faltou comparações entre os dois pela trama pretensamente inspiradora e mentoria convencional, estilo Sessão da Tarde. Talvez a repetição tenha afujentado o público, mas o fato é que “Encontrando Forrester” acabou invertendo as expectativas e encerrando de maneira pouco louvável a fase mainstream desse que já foi considerado um dos mestres do cinema dramático. Mesmo que seja só pela ruptura que representou, a verdade é que “Encontrando Forrester” é um filme que vale ser visto, mas vai sumir da memória em breves horas, ainda que Sean Connery nunca tenha brilhado tanto. Confira e me diga você mesmo.

Nota: 7,0

 

4 comentários:

saga dos martins disse...

Adorei o blog, vc não dá uma sinopse do filme e sim sua impressão fiel do que sentiu ao ver o filme. Formula maravilhosa de fazer um blog de cinema, onde têm vários, mas igual a esse DUVIDO! Idéia ótima e com uma narrativa que não dá tédio.
Beijinhos!!
http://www.cgfilmes.blogspot.com/

Unknown disse...

eu ja assisti esse filme realmente eh muito bom
a sinopse ta perfeita
xD

se puder
http://sonabrisa.nomemix.com/

Anônimo disse...

Valeu por comentar lá n meu blog.

Gus Van Sant me decepcionou com "Last Days". Espero que nada daquilo que ele fez seja o que ele estava pensando ou eu que interpretei mal, porque, na minha opinião, o que ele fez ali foi, nada mais do que, passar a imagem de Kurt Cobain como um completo idiota. Um simples dorgado, rebelde sem causa e que morrer foi sua melhor opção.
O filme é sem graça, repetitivo, silêncioso e com 3 belas cenas:
- A cena que ele toca aquela música que é bem triste.
- Kim Gordon (Sonic Youth) ouvindo Velvet Underground.
- Sua alma subindo as escadas do céu.

Cenas que, acredito realmente ter lembrado os últimos dias de Kurt Cobain!

Renan Barreto disse...

Caio, eu vou contra tudo aquilo que existe no jornalismo moderno, que usa a desculpa esfarrapada da falta de tempo e a necessidade da velocidade de informação. Você fez uma abertura que nós chamamos de "Nariz e cera", que é uma histórinha ou uma reflexão para linkar com o texto principal. Eu adoro isso, mas não se vê com bons olhos esse tipo de abertura e sim o Lead (um resumão da matéria eca). Bem como é crítica, então escreva da forma que quiser. Eu particularmente adoro essas aberturas de texto.

Parabéns mais uma vez por seu trabalho. E vai estudar jornalismo quando puder porque você terá um belo futuro e me ajudará a acabar com o lide (aportuguesado rs)

Valeu, caio!!!