1998 não foi um bom ano para Marc Forster. Em um espaço de poucos meses que atravancaram seus sonhos e o colocaram e uma notável depressão, o garoto alemão que se mudara para Suíça quando era pequeno e se sentia mais natural daquele país do que do seu próprio perdeu o pai e o irmão mais velho. O primeiro, um médico respeitado na pequena cidade de Davos, conheceu o verdadeiro sentido da palavra “ironia” ao sucumbir ao câncer contra o qual vira pessoas lutando tantas vezes no decorrer de sua vida. O segundo, o mais velho dos três irmãos da família, se suicidou com a pressão de levar adiante o nome da família sob seus ombros. O pequeno Marc, o mais novo dos três, tinha a época 29 anos. Nascido na cidade de Illertissen, na Alemanha, a 30 de Novembro de 1969, o garoto se mudara ainda pequeno para a Suíça ao lado da família e tivera uma educação tradicionalíssima na respeitada escola para garotos Montana Zugerberg. Não é difícil de imaginar a decepção dos pais quando o rebento anunciou em alto e bom som que seu sonho era fazer filmes. Assim que atingiu a maioridade, em 1987, partiu sem escalas para a vaga conquistada na Universidade de Cinema de Nova York. Foi um estudante dedicado até 1993, quando completou o curso e foi a Los Angeles já com o curta-metragem Lounges no currículo. Numa geração em que diretores formados nos videoclipes eram mais valorizados que os que estudaram cinema, Marc e seu inglês falho combinado com o idealismo artístico que enchia sua cabeça com idéias impossíveis de se realizar no cinismo de Hollywood não foram exatamente um sucesso. Quando o novato ainda declinou uma proposta de 500.000 dólares para dirigir seu primeiro filme alegando que “o roteiro não era bom” em uma época em que vivia as custas de favores de amigos, então, a rejeição passou a ser completa e irrevogável. Curiosamente, foi só quando se viu deprimido e com pensamentos sombrios sobre o mundo a sua volta que Marc conseguiu a chance que queria no mundo do cinema. Afinal, lágrimas em Hollywood continuam sendo um produto altamente vendável.
Foi quando retornou da Suíça, onde havia deixado o irmão Peter como guardião de toda a legação da família, que encontrou seu lugar na máquina de fazer filmes de Hollywood e a oportunidade perfeita para tornar, finalmente, seu conho em realidade. “Gritos na Noite”, o primeiro filme americano do diretor e seu longa-metragem de estréia, transformou o sutil tom de paródia do roteiro de dois desconhecidos em um neo-noir pesado e violento que trazia uma ousada Radha Mitchell (“Silent Hill”) de volta a vida e capturou a atenção do Festival de Sundance, a maior festa do cinema independente americano, que o indicou ao grande prêmio do júri. Com um currículo tão curto e uma prerrogativa tão adulta e premiada assim, não demorou para que o momento de quebra para o diretor viesse e seu talento brutal ultrapassasse todas as fronteiras para invadir a terra do cinema em uma fatal tacada. “A Última Ceia” foi um furacão de drama, depressão e emoções fortes que passou pelos cinemas em 2001 e se tornou um dos dramas mais prestigiados do nosso corrente século. O filme que rendeu o Oscar (e a maldição que vem junto com ele) a Halle Berry foi o ponto de partida para uma carreira não menos que brilhante de um diretor que surpreende a cada take e traz novidade e atmosfera incomparável a cada situação. Forster é cinema puro com uma câmera na mão, e os filmes listado abaixo lhe dirão o porque é tão prazeroso ser surpreendido.
Filmografia parcial e comentada:
- A Última Ceia (Monster’s Ball, EUA/Canadá, 2001)
Foi preciso brutalidade, tensão, paranóia, destino, preconceito, redenção, paixão fulminante, insinuação e acima de tudo um estilo gótico renovado para que um diretor fosse revelado e uma atriz negra finalmente faturasse o Oscar da categoria. Halle Berry, antes quase uma desconhecida, é o corpo e a alma de A Última Ceia, mas isso não significa que a direção de Forster não seja ponto mais do que fundamental para forma como o filme funciona. Com cortes sóbrios e precisos, sem pudores em mostrar cada detalhe do que se desenrola na tela e sem esconder as próprias fraquezas e emoções, o diretor orquestra aqui um trabalho muito acima de excepcional. Dirigindo brilhantemente a história de um preconceituoso carcereiro (Billy Bob Thornton) que se apaixona por uma mulher negra (Berry) que vem a ser a esposa do último preso executado no local em que trabalha, o alemão carimba seu passaporte para Hollywood em alto estilo e diálogos memoráveis de um roteiro certeiro. Tudo isso combinado na complexa receita que é necessáris para fazer cinema resulta em um show técnico que marca a cada cena a memória do espectador com uma forja mais e mais forte. O resultado? A empolgação dos críticos e o sucesso de público, já que “A Última Ceia” fechou a conta com bilheteria bem superior ao seu modesto orçamento de 4 milhões de dólares. Com a ajuda de performances viscerais e uma fotografia no mínimo brilhante, Forster é o grande maestro de uma série intrincada de elementos que caminham em perfita harmonia sob a vigia de sua câmera sempre atenta a cada expressão e cada capricho visual. Não que ele deixe estilo se sobrepor a conteúdo, é claro. Seria um erro primário demais para um diretor que parece saber tanto de sua arte em uma quase-estréia inesquecível.
- Em Busca da Terra do Nunca (Finding Neverland, EUA/Inglaterra, 2004)
Peter Pan nunca teve uma representação tão mágica quanto no drama de época “Em Busca da Terra do Nunca”, primeiro longa-metragem de Forster depois da revelação em alto estilo três anos antes. Ao contar nos cinemas a teatral e imaginativa história do criador de um dos personagens mais famosos da literatura infantil, o dramaturgo James Barrie, Forster criou um épico de sensibilidade e otimismo que contrasta violentamente com seu trabalho anterior, como viria a ser hábito na carreira do diretor. Indicado a quase todas as categorias técnicas do Oscar em 2004, o drama biográfico familiar foi além e colocou-se na disputa para Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Ator, a segunda das três nominações do astro Johnny Depp (que ainda não havia feito “Sweeney Todd”). Ele encontra um de seus melhores momentos na pele do protagonista, o imaginativo escritor de teatro que vê a carreira ameaçada depois de dois fracassos consecutivos e encontra a inspiração que precisa em uma mãe solteira (Kate Winslet) e seus adoráveis rebentos. Não por acaso, o Peter do pequeno Freddie Highmore ganha mais destaque e aos poucos é tirado de sua realidade exagerada pela imaginação deliciosa do escritor. Daí nasce Peter Pan. É de se admitir, uma engenhosa história real conduzida bem pelo roteiro, mas a verdade é que a condução de Forster faz toda a diferença ao mesclar com habilidade impressionante realidade e imaginação sem perder o encanto de nenhuma das duas e ainda preservar a linha narrativa intacta. Se nada soa descartável ou dispensável em “Em Busca da Terra do Nunca”, o inegável é que grande parte da culpa é de Forster, um diretor que pela primeira vez mostrava toda a sua versatilidade e conquistava o público de uma vez por todas com lágrimas e sorrisos. A um tempo.
- Mais Estranho Que a Ficção (Stranger Than Fiction, EUA, 2006)
Como todo bom apreciador de cinema sabe, detalhes fazem toda a diferença. Talvez não haja exemplo mais perfeito dessa regra nos dias de hoje que “Mais Estranho Que a Ficção”, o tomo fascinante sobre um homem comum entrando em desespero e descobrindo que algo melhor pode vir de toda aquela confusão. O princípio otimista que impregna todo o tempo de projeção da primeira gema roteirizada pelo fabuloso Zach Helm (“A Loja Mágica de Brinquedos”) é algo tão atípico na filmografia cínica de atores e diretores “moderninhos” que acaba soando como um respiro de ar fresco para quem se enfurna em super-produções o ano inteiro. “Mais Estranho Que a Ficção” é bem produzido, tem uma trama ambiciosa e atores de grande porte, mas possui uma atmosfera tão íntima e envolvente que é impossível não se pegar sorrindo junto coms os personagens que movimentam uma das histórias mais espetacularmente originais dos últimos anos. Harold Crick (Will Ferrell) é um metódico funcionário da Receita Federal americana que acha-se em uma situação ímpar: de uma hora para outra, sem nenhuma explicação, o homem começa a ouvir a narração da própria vida com tiradas cínicas e momentos de pura e simples inspiração poética. Uma situação que abre tatas possibilidade e so torna mais prazeroso ver o roteiro seguir por um caminho de inocência e descobrimento que agrada aos olhos e ouvidos de quem sabe muito bem que o mundo lá fora não é bem assim. Escapismo? Pode ser, mas é impossível resistir com uma direção tão sublime de Forster e interpretações tão competentes de gente subestimada por Hollywood como Maggie Gyllenhaal (“Batman – O Cavaleiro das Trevas”) e Emma Thompson (“Nanny McPhee”). O final parece desenhado sob medida para os ângulos precisos do diretor e o sorriso no final da projeção é impossível de apagar ou negar. Se todo diretor precisa de uma obra-prima, Marc Forster pode seguir tranqüilo.
- Caçador de Pipas (The Kite Runner, EUA, 2007)
Não foram poucos os que disseram que Marc Forster não sabia onde estava se metendo quando aceitou dirigir “O Caçador de Pipas”, adaptação do mais celebrado e vendido dos últimos anos. O épico do escritor Khaled Hosseini era tão contundente em discutir sobre amizade, redenção, culpa e choque cultural que de uma hora para a outra o transporte de uma obra teoricamente alternativa para o cinema se tornou o filme mais esperado e vigiado do ano. Entre rumores de Oscar e pessimismo em massa por parte daqueles que conferiram o trabalho literário, Forster ficou com a própria visão e triunfou com um épico comovente sobre as idas e vindas dos seres humanos em um mundo que poucas vezes faz sentido. Talvez a fidelidade não tenha sido a mais ponderada, mas mesmo o roteirirta David Benioff (“Tróia”) soa contundente para quem estiver disposto a encarar “O Caçador de Pipas” como um filme e nada mais. É claro, ainda é uma história cheia de detalhes condensada de forma um tanto esforçada em pouco mais de duas horas, mas o fato é que a força das emoções na narrativa de Hosseini permaneceu na versão cinematográfice com a mesma contundência. A história é centrada no garoto afegão Amir, que é criado ao lado do pai de opinião forte e infelxível e tem como melhor amigo o filho do empregado da família, Hassan, que pertence a uma etnia inferior a sua segundo os padrões do país. Quando uma tragédia atinge a família e o país, uma série de acontecimentos impactantes são desencadeados e o destino faz sua parte para reforçar e redimir a culpa que Amir carrega através dos anos. Forster dirige realçando mais o lado emocional nas cenas singelas e o visual nos momentos mais brutais, trazendo para a tela toda a dramatização e talento de um escritor sem precedentes em nosso século. Sob certa visão, “O Caçador de Pipas”, o filme, é até corajoso por manter seu final ambíguo e ainda assim conseguir deixar um sorriso estampado no rosto do espectador.
- 007: Quatum of Solace (Quantum of Solace, Inglaterra/EUA, 2008)
Em 2004, recém-revelado ao mundo, Marc Forster rejeitou uma proposta da Warner, que lhe oferecia um salário milionário para comandar “Harry Potter e O Prisioneiro de Azkaban”, terceiro filme da saga do bruxo adolescente de óculos e teórica virada da série para um momento mais juvenil que infantil. É verdade que provavelmente ele teria sido um diretor bem mais competente que o mexicano Alfonso Cuarón e seus modismos ambiciosos. Mas o fato é que quatro anos e três filmes elogiados passaram pela carreira do diretor até a MGM bater a sua porta para oferecer um pagamento igualmente estratosférico pelo comando das câmeras de “Quantum of Solace”, primeira continuação direta da história da série do espião inglês James Bond e o filme com a responsabilidade de carregar a herança realista do anterior, “Cassino Royale”. Porque dessa vez a resposta foi outra? Nem ele sabe explicar, mas é melhor sermos mais objetivos. “Quantum of Solace” não é um filme perfeito de Bond, e tampouco cumpre todas as promessas de profundidade emocional que guardava em sua trama de vingança. Daniel Craig é cada vez melhor na pele do espião britânico, que parte para vingar a morte de sua amada Vesper Lynd e para isso envolve-se em uma teia complexa de personagens e organizações que acabam confundindo um pouco a trama mas chegam no final com excelência no desenrolar. Pena que poucas cenas de ação empolguem, menos pela direção sempre precisa e esforçada de Forster e mais pela forma como são roteirizadas friamente, como obstáculos necessários para um bem maior. Ação nunca foi pretexto para Bond, e talvez seja isso que garanta a “Quantum of Solace” uma posição de pouca honra no rol do personagem. Ainda assim, é a prova definitiva da versatilidade de um diretor que enche a tela com competência e emoção.
Bom, pessoal, e é só isso mesmo… segunda filmografia do blog, escolhi esse diretor porque o admiro muito e é o comandante de um dos meus filmes preferidos (acho que pelo texto deu para descbrir qual deles)… Mas enfim, agora só me resta desejar os melhores filmes para todos vocês e até mais! Ah, para quem se interessar, eu criei um novo blog onde vou diversificar mais meus assuntos. É esse aqui: http://lgrimasnachuva.blogspot.com/
6 comentários:
Já pelo fato de entrar em seu Blog bate uma vontade de ver algum filme, o problema esta no tempo.
Parabens
não gostei da ultima ceia, mas em busca da terra do nunca compensou :)
legal os comentarios sobre filmes...da pra se informar bem..otimo!
Dos filmes dele, asisti apenas ao último filme do Bond, "Quantum of Solace". Parece que eu fui o único que achou esse filme melhor que "Cassino Royale".
ta aí um diretor que eu acho bastante irregular
ás vezes ele consegue segurar as pontas, mas ás vezes deixa elas escaparem como em Quantum of Solace e O Caçador de Pipas
Pois senti a mesma coisa, dá vontade de ver filme mesmo...
:D
Abraços
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