quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Na Mira do Chefe - Tiros na Bélgica (?) e o Globo de Ouro de Colin Farrell

Na Mira do Chefe (In Bruges, Inglaterra/EUA, 2008).

De: Martin McDonagh.

Com: Colin Farrell, Brendan Gleeson, Ralph Fiennes, Clémence Poésy.

107 minutos.







A genialidade é relativa. A mente de cada pessoa é marcada por experiências, histórias e convicções que exercem papel fundamental na avaliação e na formação de opinião sobre um filme, um livro ou qualquer outro material de entretenimento. Dito isso, peço que o leitor não confie cegamente em nenhuma sentença do seguinte texto, uma pura expressão da opinião de um espectador que pode estar buscando coisas completamente diferentes das que você, como apreciador de cinema, gosta de ver. Assim como há gente que acredita piamente que qualquer obra-prima precisa ser datada de antes dos anos 1980, existem espectadores que se deixam levar por qualquer sentimentalismo barato dos roteiristas desleixados da Hollywood atual. E assim como haverá gente julgando "Na Mira do Chefe" como uma comédia grosseira, mal-produzida e ridícula, um pequeno grupo de pessoas será capaz de enxergar nesta estréia de Martin McDonagh na direção de longas (seu curta-metragem "Six Shooter" foi o vencedor da categoria no Oscar do ano passado) a simplicidade genial e o foco inigualável nos personagens, cheios de características grotescas, mas ainda assim soando mais reais que todos os heróis de ação de Hollywood. Esse crítico que vos fala pertence ao segundo grupo, mas meu único verdadeiro conselho para vocês sobre "Na Mira do Chefe" é: assista e tire sua própria opinião. O que vem a seguir é a minha forma de interpretar as sutilezas do filme. Para começar, "Na Mira do Chefe", ao contrário do que o título brasileiro tenta evidenciar, não é uma comédia no sentido mais puro da palavra. O humor surge em doses pequenas, quase inteiramente apoiado no sarcasmo e no natural estranhamento imposto aos personagens frente as situações absurdas do roteiro. Não há tiradas baratas e muito menos humor apelativo ou escrachado. Para falar a verdade, não há nada de especialmente impressionante ou impactante em "Na Mira do Chefe".

Há quem diga que esse seja um dos motivos para o filme ser tão entediante, mas é justamente nisso que reside todo o charme e a genialidade. Trata-se de uma história simples, que ousa não se enredar por conspirações e perseguição e não criar um conflito concreto antes da meia hora final. Para resumir um pouco, "Na Mira do Chefe" é um estudo intenso sobre a culpa, a excentricidade, o preconceito e estranheza, um filme que não deixa o interesse cair por nem um minuto, inserindo pequenas brincadeiras contextuais para incrementar a refeição, mas sem nunca desviar-se do gosto do prato principal: emoções, pensamentos, princípios e, acima de tudo, seres humanos. Os dois protagonistas são exemplos perfeitos disso. Ray (Colin Farrell) é um homem cheio de manias e tomado pela culpa de ter acabado com a vida de uma criança durante um de seus primeiros trabalhos como assassino profissional. A pressão psicológica intensa que o personagem vive é trabalhada com perfeição pelo roteiro, que insiste em incunbir a Ray todas aquelas pequenas contestações que qualquer ser humano deveria fazer em algum momento da vida. “Porque eu mereço viver?”. “Estou fazendo a coisa certa?”. Embora muita gente tenha contestado a vitória de Colin Farrell no Globo de Ouro, sua performance detalhista dá uma tradução perfeita para um personagem complexo que poderia cair na carucatura se fosse encarnado por um ator qualquer. Nas mãos do "Alexandre" de Oliver Stone, Ray acaba por criar uma estranha e desconfiada empatia com o público, e é impossível não se emocionar nos momentos mais cruciais do personagem. O parceiro dele, Ken (Brendan Gleeson) é mais difícil de definir, quase misterioso até que o confronto com o chefe dos dois, Harry (Ralph Fiennes) esclarece um pouco sobre o estranho modo contido de ser do personagem. E o desempenho de Gleeson não é menos que perfeito para o personagem, contrastando de várias formas com Farrell por despir-se da vaidade natural de um ator e entregar a interpretação discreta que o personagem merece. Nada mais natural que Gleeson também ter recebido a indicação para a “prévia do Oscar” (nome ao qual não parece fazer jus, já que nenhum dos dois atores foi lembrado pela Academia).

O elenco ainda é fechado por um anormalmente visceral Ralph Fiennes, que consegue fazer um bom trabalho mesmo com pouco tempo de tela. O mesmo pode ser dito da surpreendente Cleménce Poesy, que mostra os primeiros traços de um futuro promissor ao se despir da candura de suas outras personagens para viver sem muitos precalços uma garota que vende drogas para os astros dos filmes capturados na cidade de Bruges, cenário idílico e medieval em que se passa a história. A cidade, aliás, é ponto fundamental em "Na Mira do Chefe", tanto para contrastar com o clima tenso que impregna a parte final do filme quanto para evidenciar a contemplação apaixonada da câmera de Martin McDonagh. Ousando como poucos cineastas fazem hoje em dia, esse londrino de 38 anos traz para seu primeiro longa-metragem a mesma estética dinâmica e criativa que normalmente se vê nos curtas. Sua câmera não é o enquadramento perfeito e a edição classuda dos grandes mestres, mas uma troca de ângulos mais imprecisa (mas nunca insegura), peculiar e encantadora. No final de seus modestos 108 minutos, "Na Mira do Chefe" conta uma das histórias mais comoventes, chocantes e fascinantes do ano passado, construindo personagens devagar, a moda antiga, um filme que não precisa de explosões e grandes tramas para impressionar. A graça está toda nos detalhes, da lágrima que corre pelo rosto de Colin Farrell até a névoa que encobre a cidade durante a noite. Mas, para todos os efeitos, a genialidade é relativa. E é por essas e por outras que eu não tenho medo de dizer que "Na Mira do Chefe" é relativamente... genial.

Nota: 8,5

2 comentários:

Anônimo disse...

Não tinha conhecimento do filme mas passei a ter uma imensa vontade de vê-lo..... Farrell anda mandando muito bem, grande ator .....

Gleise Erika Cavalli disse...

Também me surpreendo c/ certas pessoas q acreditam em qualquer produção, pra mim, elas são alienadas!
Esse filme aí confesso q ñ conhecia ainda, devo ter escutado falar nele, mas ñ lembro ...
Deve ser um ótimo filme!