domingo, 3 de maio de 2009

Enquanto Ela Está Fora – Suspense e diversão podem viver juntos?

while

Enquanto Ela Está Fora (While She Was Out, Alemanha/Canadá/EUA, 2008)

De: Susan Montford

Com: Kim Basinger, Lukas Haas, Craig Scheffer

108 minutos

Entretenimento não é algo fácil de se produzir, embora os críticos mais “entendidos” digam o contrário apenas para desvalorizar os filmes que não tenham algo além de pura diversão. O princípio básico é, ou deveria ser, o seguinte: se um filme te segura por duas horas em uma cadeira sem sequer um pensamento disperso, esse filme merece pelo menos um pouco de atenção. É claro, o que diferencia o puro entretenimento de obras de arte em forma de cinema é um talento a mais e uma perícia delicada na hora de equilibrar os fatores incontroláveis que se juntam para o resultado final de um filme. Isso sem contar que, quando estamos falando de Hollywood, onde todo esse processo toma uma proporção gigantesca, o fator dinheiro é muito mais relevante para o destino de uma obra do que qualquer outra coisa. Tendo essas duas coisas em mente, não é muito difícil julgar “Enquanto Ela Está Fora”, mesmo que os motivos para o julgamento ser tão definitivo não sejam fáceis de explicar. Dono de um orçamento modesto de 6 milhões de dólares, o filme vinha carregado de expectativa entre os cinéfilos mais atentos por marcar a estréia da produtora Susan Montford (“Mandando Bala”) no roteiro e na direção. Em outras palavras, prometia diversão descompromissada tão boa quanto a do filme estrelado por Clive Owen (“Rei Arthur”). Com uma história simplista e a vontade de mostrar a violência no mundo em que vivemos de forma crua e lúdica a um tempo, porém, o que Susan construiu foi um suspense de perseguição intenso que solta faíscas quando investe na ação mas escorrega feio nos momentos em que tenta se desviar dela para ganhar tempo em uma trama que não renderia nem uma boa meia hora, que dirá duas completas. Em algum momento desconhecido entre a fuga desesperada da protagonista após presenciar um assassinato a sangue frio e seu retorno para casa carregado de um exagero que não faz sentido no contexto, a diretora e roteirista se perde em meio a própria obra e entrega um filme que segura o espectador até certo ponto pela vontade de saber o que pode vir em seguida. Depois que a trama encontra seu caminho natural, porém, tudo se torna em uma aventura violenta e previsível demais em que o escuro esconde a diversão de mortes criativas e a falta de profundidade dos personagens começa a incomodar profundamente. Em suma, “Enquanto Ela Está Fora” renderia um curta-metragem cheio de expectativa e adrenalina, mas os minutos passam e o encanto se perde junto com a câmera de Susan pela floresta.

Uma das explicações mais recorrentes para essa espécie de “enrolação” dentro da história é que “Enquanto Ela Está Fora”, a exemplo de muitos outros filmes baseados em histórias curtas da literatura, tenta ganhar tempo para preencher os vazios e construir um longa-metragem de verdade, com exploração mais detalhada dos personagens e cenas que ajudem a desvendá-los para o público. Em linguagem mais simples, um roteiro cinematográfico precisa de mais detalhes e nuances para funcionar do que um conto de suspense ou ficção científica. Mas não seria justo culpar o escritor Edward Bryant pela falta de envolvimento no roteiro de Montford. Afinal, um bom roteirista é capaz de estender uma história com circunstâncias plausíveis e sem deixar a sensação para o espectador que está diante de um grande engodo em que um fiapo de trama pretende sustentar todo um filme. Scott Alexander (“O Mundo de Andy”), por exemplo, se deu muito bem adaptando o conto de Stephen King (“Carrie”) para o cinema em “1408”. Infelizmente para o espectador, Montford e sua inexperiência na confecção de uma narrativa tornam “Enquanto Ela Está Fora” uma extensa e cansativa mistura de ambientes mal trabalhados, cenas cotidianas absolutamente sem sentido e uma perspectiva que não anima nem o espectador com expectativas mais baixas. Isso considerando que “Enquanto Ela Está Fora” pretenda ser apenas entretenimento. Porque se Montford acerta nos diálogos e nas situações, especialmente do início do filme até o ponto em que a trama toda é desencadeada, seu filme tropeça na fantasia e no exagero quando tenta ser uma crônica pujante sobre a violência urbana. Era exatamente isso que prometia a história de Della (Kim Basinger), uma mulher casada e infeliz que vive no subúrbio com seus filhos gêmeos e seu violento marido Kenneth (Craig Scheffer). Encontrando um carro antigo parado em duas vagas no estacionamento lotado de um shopping em plena noite de Natal, ela resolve deixar um bilhete no pára-brisa chamando o dono do veículo de “canalha egoísta”. É claro, ela não contava que os jovens donos do carro a ameaçassem na saída do shopping e matassem o segurança que tentava a proteger. Fugindo, ela acaba parando por perto de uma reserva florestal e a caçada começa em meio a escuridão da noite e a sombra das árvores. Daí para frente, “Enquanto Ela Está Fora” é uma seqüência interminável de cenas improvisadas de forma grosseira pelo roteiro e momentos de perseguição em que o suspense beira o ridículo em alguns momentos. Tudo é localizado como se fosse um pesadelo escuro e violento em que vidas são perdidas e o instinto é despertado, mas o roteiro envolve em pouquíssimos momentos, a maioria deles devido ao trabalho de um trio de atores que seguram o filme praticamente sozinhos.

É bem verdade que nenhum intérprete é capaz de passar por cima do roteiro que está interpretando, mas também é inegável que bons atores podem conferir muito mais credibilidade a uma situação que, em outras mãos, soaria piegas ou até ridícula. Kim Basinger (“Celular”), Lukas Haas (“Alpha Dog”) e Craig Scheffer (“One Three Hill”) fazem seus papéis e até conseguem segurar algumas cenas com um pouco de dignidade, mas são incapazes de influenciar tanto no resultado final. Ela, a protagonista, coloca todo o seu repertório de veterana sofredora cinematográfica para funcionar e constrói uma Della que não chega a se identificar com o espectador como deveria, mas se torna um retrato contundente de um tipo de mulher de classe média que vemos por aí todos os dias. Por incrível que pareça, a atriz consegue nos passar a impressão de que estamos diante de uma pessoa real e, especialmente no final, faz alguns momentos de pura falta de criatividade valerem a pena. Se ela aposta nas nuances, Haas acerta ao trazer para Chuckie, o líder da gangue que persegue a protagonista, a dose certa de interpretação visceral e um olhar alucinado que lembra de forma assustadora alguns dos psicopatas mais marcantes do cinema. O que incomoda é que o personagem não foi construído para soar assim, e sim como a representação da juventude de emoções fortes e momentos intensos que não mede esforços para conseguir mais adrenalina. É quase como se toda a responsabilidade pela interpretação fosse sua, e não do roteiro. Por fim, Scheffer tem pouco tempo de tela, mas completa o trio de atores relevantes do filme com uma eficiente reprodução do marido violento convencional que nos acostumamos a ver nas telas do cinema e, porque não, nas novelas brasileiras. Scheffer aparece no começo como um homem intransigente e estopim de toda a cascata de violência, e no final como o alvo da vingança no movimento cíclico que Montford tenta reproduzir no roteiro com pouco impacto real. Se escrevendo a produtora se mostra inexperiente e intransigente, na direção seu desempenho é tão irregular que é quase impossível chamá-lo por apenas um adjetivo. Em alguns momentos sua câmera tem movimento fluído e climatização das boas, mas quando precisa encarar seus personagens de frente, seus olhos se voltam para detalhes sem importância que diminuem drasticamente a sensação que “Enquanto Ela Está Fora” deveria passar. O resultado de tudo isso é um filme oscilante que perde a atenção do espectador mais casual em poucos minutos e não demora a despertar uma avaliação negativa naquele mais atento. Uma obra que não cumpre nada do que promete e chega ao fim já esquecida e dispensável. Se ao menos fosse divertido...

Nota: 4,0

4 comentários:

Cecília disse...

Sinceramente peço desculpas pois não sou fã desses tipos de filmes.
Parabéns pela análise do filme, vejo que tem talento para escrever.
O meu gosto de filme é um pouco trash: Harry Potter, O senhor dos Anéis e todos do Jim Carrey e do Keanu Reaves.

Wander Veroni Maia disse...

Oi, Caio! Parabéns pela análise do filme. Muito bem contruída e didática. Também não gostei desse filme...muito cansativo e chato.

Abraço,

=]

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Inez disse...

Caio não sou muito chegada a cinema, mas suas análises e fazem ter vontade de assistir aos filmes, são muito boas.

Gabi, disse...

Adoro um filme bom e quem nao gosta?
A forma que você descrever um filme(ja foi dito em outros comentarios) é muito bom,da vontade de assistir o filme.Ir para o cinema com você deve ser bem divertido ^^
Beijos e parabens!!